A tragédia de Brumadinho vai muito além das centenas de mortos e "desaparecidos". Ou até, da devastação que esteriliza terras férteis e polui rios. O terrível é nossa cumplicidade (direta ou indireta) num crime articulado pela irresponsabilidade empresarial e pelo descaso dos governantes.
A cobiça foi ponto de partida e de chegada. A mineração (como o petróleo) é atividade econômica destrutiva. Supera até o desmatamento. Árvores se replantam, mas as crateras quilométricas se amontoam como resíduo pronto para devastar.
Em novembro de 2015, nem a catástrofe da barragem da Samarco, em MG, nos serviu para advertir. A natureza, suporte da vida no planeta, continuou a ser vista como algo incômodo, não como obra sagrada a preservar.
No Senado e Câmara Federal, morreram nas gavetas todos os projetos de lei que ampliavam exigências sobre as barragens. Em 2014, a Cia. Vale do Rio Doce e mineradoras menores tinham financiado 101 deputados federais e 10 senadores eleitos por 27 partidos, do PSL (hoje de Bolsonaro) ao PC do B, do MDB ao PT, PSDB, PP, DEM, PDT e rabichos menores e, assim, colheram o fruto do plantio milionário…
A Vale investiu mais de R$ 82 milhões na "bancada da lama", liderada pelo deputado Leonardo Quintão, do MDB de Minas. Tudo passava por ele. Não reeleito, hoje está na Casa Civil, em Brasília, como um dos conselheiros do presidente Bolsonaro.
Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro – o eleito – prometeu afrouxar as leis ambientais e acabar com "a indústria das multas", como ele chama as punições. Mas as multas são só virtuais. Desde 2015, a Vale do Rio Doce acumula R$ 389 milhões em multas, sem ter pago um centavo. Recursos judiciais sem fim livram sempre os infratores.
Outros foram além. O deputado Mauro Pereira, do MDB gaúcho, num breve período como suplente, apresentou um projeto para facilitar a Lei Geral de Licenciamento Ambiental e, assim, abrir as comportas do horror.
O subsolo é de todos. A mineração é concessão do Estado, que não dá à empresa (a Vale, no caso) o "direito" de devastar flora, fauna, terras e rios. Mas a responsabilidade empresarial se esconde na bruma, sem assumir o horror exposto ao sol.
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Se a Justiça opta pela mesquinhez, deixa de ser justa e beira a vingança. As decisões judiciais que impediram o ex-presidente Lula de se despedir do irmão morto são inqualificáveis em termos humanos e legais. Pior ainda foi o remendo do presidente do STF, sugerindo que o morto virasse esquife ambulante e encontrasse o ex-presidente num quartel do Exército.