A nave-robô da China que, pela primeira vez na História, pousou agora no desconhecido lado escuro da lua para descobrir o futuro, me leva aos 20 anos de idade, quando lá passei 32 dias. Na China, obviamente, não na inabitável lua…
Convidado pela Federação Panchinesa de Estudantes para as festas dos cinco anos da revolução comunista de Mao-Zedong, conheci o que fora extirpar a corrupção, vencer a fome e superar a pobreza pela contração ao trabalho e à pesquisa. Visitei escolas e universidades, fábricas, lavouras e granjas, desertos e terras férteis.
Comparadas a São Paulo, Rio, Porto Alegre ou meu Lajeado natal, as cidades chinesas eram "pobres". Sem carros, a rua era das bicicletas. Nas lojas, o ábaco manual substituía as caixas registradoras elétricas. Homens e mulheres vestiam-se iguais, calça e blusa de brim azul. Nas zonas áridas, filas quilométricas de homens passavam de mão em mão regadores de jardim para irrigar cultivos. Sem tecnologia, sobrava mão de obra. Com 600 milhões de habitantes, a China já era o país mais populoso da Terra.
O "modelo" do "socialismo a construir" era, então, a União Soviética, mas na China ouvi pela primeira vez a expressão "desenvolvimento autônomo". A política das "cem flores se abrindo", de Mao, buscava caminhos próprios. Anos depois, a ruptura ideológica com os russos abre a rota que desemboca nas reformas de Deng Xiaoping que levam à China do século 21.
– Se terminar com os ratos, não importa o miar nem a cor do gato! – dizia ele.
Encontrar "os gatos", porém, foi obra do perseverante trabalho solidário e da constante pesquisa profunda, não da folgança, menos ainda do preconceito. Assim, a desconhecida face escura da lua (onde nem os EUA e a Rússia ousaram chegar) se abre hoje para um futuro que começou no recente passado.
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Aqui, às avessas do novo século, o novo Brasil oficial faz do preconceito a nova meta. Olhar o futuro pelo espelho retrovisor não leva sequer a conhecer o passado para saber se devemos segui-lo ou evitá-lo. Conduz apenas a uma fantasia viciosa e estéril, que nada constrói.
Inventar situações que nunca existiram (como "libertar o Brasil do socialismo" ou "extirpar o marxismo das escolas") é fantasia infantil que, nos adultos, vira morbidez. E, nos governantes, faz do concreto uma perigosa fantasia.
Após os vendavais Lula, Dilma e Temer, o presidente Bolsonaro já tem à frente duros caminhos concretos. Inventar bodes expiatórios leva o país perigosamente ao abismal "mundo da lua", sem jamais chegar ao lado escuro, como os chineses.
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