O marco fundamental da vida são as datas e aí está o Natal, que até os não-cristãos festejam. Mas há, também, dias nascidos do atraso e do ódio.
O próximo 13 de dezembro marca os 50 anos da imposição do Ato Institucional nº 5, o fato funesto da nossa existência como nação. Naquele 1968 em que, mundo afora, o povo saiu às ruas pedindo liberdade e paz, o Brasil enveredou pela contramão da História.
O AI-5 transformou o regime autoritário surgido do golpe militar de 1964 em férrea, odiosa e cega ditadura. O minúsculo mas ativo grupo de extrema-direita das Forças Armadas triunfou sobre os ensaios de "abertura" e liberalização do marechal-presidente Costa e Silva.
Até então, a ditadura se autolimitara. Destituiu parlamentares e governadores, prendeu, perseguiu, exilou. Logo, extinguiu os partidos e a eleição de presidente e governadores, mas sem sanha. Formalmente, não aboliu direitos nem censurou a imprensa. A Justiça funcionou vigiada, mas livre.
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Vivi intensamente esses anos como jornalista político em Brasília ou militando pela restauração democrática.
Vi crescer os que (sob impacto da Guerra Fria e alegando "combater a ameaça comunista") se opunham "aos rumos" do sucessor do marechal Castelo Branco. Em 1968, muitos exilados voltaram, brotaram greves por salários, a imprensa denunciou corrupção e brutalidades. Multidões pediam redemocratização nas ruas do Rio, São Paulo e outras cidades.
Costa e Silva chamou a Brasília os organizadores das passeatas e com eles dialogou. O ódio da extrema-direita cresceu e buscou encurralar o próprio marechal-presidente. Quando a Câmara negou-se a cassar o deputado Márcio Moreira Alves (que em 1964 defendera o golpe) por um anódino discurso de cinco minutos tido como "ofensivo às Forças Armadas", o pretexto surgiu vigoroso como flor no lodo.
O AI-5 suprimiu liberdades e direitos essenciais como o habeas corpus, interveio no Supremo Tribunal, na Justiça, escolas e sindicatos, cassou mandatos, legalizou a perseguição, fez do terror e da tortura um método de governar. Censurou abertamente a imprensa e saiu a prender.
A sanha imperou. Prenderam até Carlos Lacerda, ex-governador do Rio e líder civil do golpe de 1964, por ter passado a pedir "eleições livres". Menos de nove meses depois, Costa e Silva sofreu um AVC. Com a Junta Militar no poder, surgiu Médici.
Agora, 50 anos depois, recordar o horror é um alerta aos aventureiros que tentem usar a democracia para reimplantar o terror.