O espanto nos domina. A violência se alastra e se aprofunda como "marca nacional", sem que busquemos as causas e origens do horror. Tudo se resume a aliviar as consequências e mascarar os sintomas.
Entre nós, encara-se tudo como banalidade. Ou "fatalidade", em que o inchaço de um tumor é visto como crescimento porque o volume aumenta.
Um exemplo: a "reforma" que o governo Temer quer introduzir no Ensino Médio é inusitada e quase insultuosa. Os educadores não foram ouvidos e tudo se faz às pressas, por "medida provisória" aprovada agora pelo Senado. O ministro da Educação diz que "é a mudança estrutural mais relevante das últimas décadas" e é verdade - pela primeira vez no mundo, em vez de se ensinar mais, vai se ensinar menos em maior número de horas...
O aluno vai se ocupar sem ocupar a cabeça! O ensino de Biologia, História e Geografia não será obrigatório e já antevejo a meninada (por ignorar o que não aprenderam) pensando que célula é a da telefonia celular. Ou que Colombo, ao descobrir o Brasil, aqui encontrou Napoleão e, logo, proclamou a República...
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Ao estilo do "jeitinho", a "reforma" de Temer levará à temeridade de que o aluno dirija sua educação, e não o docente que se preparou para isto.
Aos 11 ou 15 anos de idade, alguém tem conhecimento do mundo para decidir o que aprender? Ou educar consiste em abrir portas aos jovens, para que amadureçam e decidam com clareza, sem ignorar nem iludir-se, no futuro, com o presente que desconhecem?
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Nos anos 1960, jovem ainda, fui professor da Universidade de Brasília, num projeto que, a partir do modelo das universidades dos EUA, tentou criar um ensino de base ampla que nos levasse à nova era científico-tecnológica que se avizinhava. A cegueira da ditadura direitista tomou a ideia como "subversão comunista" e tudo se desfez.
Desde então, a decadência progressiva afetou todas as áreas educacionais. Hoje, o Ensino Médio e Superior (e até o Fundamental) exigem reformas profundas, mas para "apertar" e aprofundar-se, não para "afrouxar". Expedir certificados de conclusão de curso ou diplomas não é educar, mas mistificar, transformando o ensino em supermercado e enganando a sociedade.
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Já nos enganam noutras áreas. Conhecemos o palavreado oco da politiquice, mas, às vezes, até a palavra doutoral e acadêmica é enganosa ou é apenas som.
Anos atrás, o atual ministro da Justiça (licenciado) Alexandre de Moraes, em tese de doutorado na USP, sustentou que a Constituição devia vedar e impedir que os ministros do Supremo Tribunal fossem escolhidos entre quem exercesse mandato eletivo ou cargo de confiança do presidente da República. Em 476 páginas, demonstrou que, assim, se evitaria que a indicação para o STF resultasse em "demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam (sic) a independência da Corte Constitucional".
Agora, o ministro da Justiça é indicado pelo presidente Temer para o Supremo Tribunal e, sem rodeios, aceita o que, antes, combatia como pérfido. A independência que defendia esvaiu-se, ainda que propusesse "outras e maiores vedações e incompatibilidades" na escolha para o STF.
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Podem as teses ser como roupa velha que sai de moda? Pode Stephen Hawking desdizer-se da tese do "buraco negro", que revolucionou a física? Se vivesse, podia Einstein arrepender-se da tese da relatividade? Ou Marx da plus-valia?
Ou, após o clarão da Lava-Jato, querem escurecer o horizonte com tribunais servis, meros tributários do poder? Nem o general Castelo Branco formou uma Corte áulica e servil - escolheu juristas conservadores, mas independentes, como o baiano Odalício Nogueira e outros.
Os jornais lembram que Alexandre de Moraes advogou para uma cooperativa do temível PCC em São Paulo e defendeu o ex-deputado Eduardo Cunha, hoje preso, mas chegou a ministro da Justiça. Agora, ele conversa com os senadores que irão sabatiná-lo na Comissão de Constituição e Justiça, onde o presidente Edison Lobão e outros nove estão acusados na Lava-Jato.
No ensino, vamos rumo à ignorância. No resto, é duro ter de ignorar...
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