Mistério, ou misterioso, é tudo aquilo cuja essência não podemos – ou não queremos – desvendar nem conhecer. A origem da vida, por exemplo, é mistério inacessível, pois a grandeza humana é pequena demais para chegar a ele. A sonda que dá voltas ao planeta Júpiter busca sanar nossa ignorância, mas o mistério continuará.
O cotidiano misterioso, porém, surge da nossa desídia, displicência ou desinteresse em penetrar na realidade.
Em Porto Alegre, "o mistério da água potável" (como o chamou a RBS TV) é o caso típico desse descaso. A poluição se disfarça na cor, mas está presente no odor e sabor. A população que se arranje com água mineral! Mas algumas vendidas como tal, estão contaminadas também...
O Departamento Municipal de Água e Esgotos não sabe a causa da poluição - não tem laboratório que detecte as origens e enviou alguns frascos a São Paulo para que nos digam, de lá, o que aqui deviam saber.
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A poluição da água configura uma crise vasta e profunda – pela administração inepta chega à população. Afeta a saúde de todos os grupos sociais (até de quem só beba cerveja), mas nunca constou da pauta de urgências da Prefeitura.
Nem há quem comande a busca efetiva de solução. O prefeito Fortunati viajou sem dar atenção prioritária à crise. O vice-prefeito Sebastião Melo inventou um pretexto e viajou também. De fato, "renunciou" por alguns dias – quer disputar a próxima eleição municipal e não se arrisca a ser declarado inapto pela Justiça Eleitoral. Devia assumir, então, o presidente da Câmara de Vereadores, mas também viajou por igual motivo...
O comando da Capital ficou com a procuradora do município, pessoa séria, mas que recebeu nas mãos um problema profundo que não gerou e está, até, fora de sua área.
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Os diretores do DMAE confessam desconhecer "a causa". Só agora perceberam que "talvez" tudo se origine nas fontes de captação no rio Guaíba. O óbvio virou "descoberta". Uma das principais fontes de captação está no cais de Navegantes, próximo à única parte ativa do porto que dá nome à cidade. Ali, todo dia, chegam navios de grande porte (além das chalupas com areia roubada das margens da Lagoa dos Patos ou dos rios que desembocam no estuário do Guaíba) todos movidos a diesel, não ao vento das caravelas.
A captação de água é feita junto à área mais infectada, mas só agora a prefeitura "acha" que isso seja a causa...
Ninguém percebeu nada, antes. O prefeito ou o vice, os secretários e chefes do DMAE estiveram alguma vez por lá? Basta ver o brilho do óleo boiando na água para detectar uma das causas da poluição.
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Qual vereador interessou-se pelo problema e (mesmo a passeio de fim de semana) visitou as fontes de captação? Nem os da oposição, sequer por demagogia! Podem, até, ter feito um discursinho lamentando "o infausto acontecimento" (como nos necrológios de homenagem a cabos-eleitorais e pessoas de destaque), mas... e as ações concretas?
O Guaíba é parte de um sistema que não se alimenta só de seus cinco afluentes, mas também das restingas, banhados e áreas verdes a seu redor. São elas que dão vida ao rio, impedindo que seja apenas um cadáver líquido. A cada dia, porém, áreas de preservação junto ao rio, passam a ser edificadas. A continuar assim, em 2050, em 34 anos, o Guaíba (cujo tamanho lembra um mar-mirim de água doce) será um depósito de desperdícios líquidos, sem áreas de captação.
E não teremos sequer cerveja, hoje elaborada com água extraída no Lami!
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P.S. – Pensei em escrever sobre Lula da Silva, que ora encabeça o grupo denunciado pelo Ministério Público por "obstrução de Justiça" na corrupção de políticos e empresários na Petrobras. Não quis, porém, me antecipar e prever o que será dele.
O hábil Lula foi tanta coisa na vida que um novo título – culpado ou inocente – nada acrescenta. Torneiro mecânico, informante da polícia política na ditadura, líder sindical, presidente da República, é até doutor honoris-causa por várias universidades ao redor do mundo.
De fato, ele é um mistério tão aguado como a poluição do Guaíba.
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