Muitas realizações, muitos projetos e sonhos teve Leonel Brizola em vida. Alguns seguem vivos - os CIEPS no Rio de Janeiro e as escolas quando prefeito de Porto Alegre ou governador do Rio Grande do Sul. Mas as obras maiores, destinadas a perenes, desapareceram por completo: a decisão, coragem e franqueza política, o não mentir nem simular ou enganar foram expulsos da cena política.
Partilhei de alguns dos sonhos de Brizola e deles guardo confidências até hoje. Agora, quase 12 anos após sua morte, há um sonho inimaginável, que ele nem sequer sonhou em sonhar, mas que caminha rumo à realidade: Leonel de Moura Brizola na Casa Branca, em Washington, como presidente dos Estados Unidos!
Sim, pois Bernard Sanders, "Bernie", a caminho de se tornar candidato do Partido Democrata, tem hoje, lá, a mesma impetuosidade, ideias, coragem e franqueza que ele teve aqui.
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Senador pelo Estado de Vermont, esse filho de judeus pobres fugidos da Polônia nasceu em 1941, quase 20 anos depois de Brizola, de quem nunca deve ter ouvido falar. Como ele, também é socialista em palavras e atos, e o demonstrou quando prefeito de Burlington, a maior cidade de Vermont. Franco e direto, critica o poder dos bancos e da especulação financeira, ataca a cobiça que destrói o meio-ambiente e propõe criar fontes de energia 100% limpas.
Sua sinceridade beira a falta de tato. É tão sincero que pode reunir contra si o conjunto de forças subalternas que se uniram contra Brizola em 1989, na primeira eleição após a redemocratização.
Lembram-se? Com 12 ou 13 candidatos, todas as vaidades se exibiram contra ele. Depois, no final da apuração perfumada à fraude, Brizola foi ultrapassado pelo então inexperiente Lula, que disputou o segundo turno com Collor, que o devorou. E nosso jovem Donald Trump mostrou o que é a direita...
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A não ser que Hillary Clinton multiplique a capacidade que só as mulheres têm de recuperar-se do pior como se o pior nunca houvesse existido, e que, enfurecidamente, retome o lugar que todos acreditavam fosse dela, as "prévias" indicam que o candidato será Bernie.
Em criança, na casa dos meus pais, em Lajeado, "votávamos" em Roosevelt e nos democratas. Aprendi que a eleição nos EUA é um dos guias universais, como as constelações. Anos atrás, o legado maldito da direita de Bush, além da guerra e do militarismo, foi responsável pela crise econômico-financeira de 2008, que Obama sanou, mas cujas sequelas estão aqui.
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Mais do que Obama, Sanders é a esquerda nos EUA. Não é só um "líberal" (com "i" forte, acentuado, que lá significa "de esquerda") como diz a biografia oficial. É um intelectual que tem Marx como rumo, não como dogma. Seu livro, "Decline of our middle class" ("Declínio da nossa classe média") é, no fundo, o complemento minucioso dos documentários que, antes, produziu para o cinema.
Nos EUA, o Partido Democrata foi sempre o avanço contra o atraso. O paralítico Roosevelt venceu a depressão econômica, depois a guerra. Carter repôs a dignidade ao país derrotado pelas crueldades cometidas no Vietnã e apoiou a redemocratização no Brasil. Obama, um negro, fez a revolução maior contra a direita.
Agora, talvez venha um judeu que cultiva Marx sem dogmas e se casou com uma católica irlandesa, pois a humanidade é uma só. É demais para a direita saudosa da Ku-klux-klan!!
Bernie Sanders não é a cópia de Brizola. Mas quem lidera as prévias eleitorais democratas é Brizola no estilo, na franqueza, no dizer a verdade seja a quem for. É ele que busca a White House.
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P.S.- Em educada carta, o deputado Sérgio Turra explica que, como líder do PP na Assembleia, realizou audiência pública com o colega de partido Jair Bolsonaro, para que expusesse suas ideias "muitas delas controversas, mas populares".
Diz "reconhecer as irregularidades em que o PP se envolveu", mas frisa: "Bolsonaro não estava sozinho na mesa. Entre os participantes, estavam meus colegas de bancada e o articulista Percival Puggina, um dos maiores expoentes da direita brasileira na atualidade".
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