Em fevereiro deste ano, o juiz federal Eduardo Appio assumiu os processos da Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, a instância que, sob o comando do ex-juiz Sérgio Moro, desbaratou, na década passada, o maior e mais tentacular mecanismo de corrupção do Brasil e, possivelmente, do mundo. Appio não era uma figura notória fora de círculos mais próximos de sua atuação profissional. Ex-alunos de Direito Constitucional certamente conheciam a repulsa de Appio ao que considerava “excessos” da Lava-Jato na persecução penal a figuras do alto escalão da República e sócios do crime nos setores público e privado. Mas para grande parte da opinião pública era natural esperar dele a discrição e sobriedade próprias de um magistrado de elite, especialmente a se considerar o perfil discreto demonstrado pelo seu antecessor, o juiz Luiz Antônio Bonat – promovido a desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre.
Os primeiros movimentos de Appio, porém, indicaram que ele estava inclinado a promover uma outra Lava-Jato, mas com sinal contrário. Os perseguidos de ontem, como Rodrigo Tacla Duran, acusado de ser operador financeiro da área de propinas da Odebrecht, seriam os perseguidores de agora. E os agentes da lei que outrora estiveram em seus encalços, como o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, virariam alvos. Tudo conforme a nova partitura revisionista emanada dos tribunais superiores, e que levou uma brasileira desapontada a pedir licença ao ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, em viagem ao Exterior, e perguntar a ele se, no Brasil, o crime compensa. “Não sei”, balbuciou Gilmar, desconcertado com a abordagem calma, porém incisiva, de uma cidadã de seu país. Foi em 2022, quando Gilmar e outros ministros do STF palestravam em um evento nos Estados Unidos promovido por uma empresa de lobby.
Mesmo para os padrões de um Judiciário que, salvo honrosas e caladas exceções, tomou partido, Eduardo Appio talvez tenha ido longe demais. Admitiu, em entrevista a uma emissora de TV, que usava a sigla eletrônica LUL22 para acessar o sistema da Justiça Federal. Em outro episódio, teve de dar explicações sobre o aparecimento de seu nome entre os doadores da campanha eleitoral do atual presidente da República com uma importância pequena, mas de alto valor simbólico – R$ 13.
Na semana que passou, Appio foi afastado cautelarmente de suas funções por decisão da corregedoria do TRF-4, em um caso aberto contra ele pelo desembargador federal Marcelo Malucelli. O caso é rocambolesco e, se as evidências se confirmarem, como atestou perícia da Polícia Federal solicitada pelo TRF-4, veremos que o fundo do poço no processo de degradação da imagem do Judiciário, que a estarrecida cidadã brasileira julgava ter sido atingido, era um fundo falso. Desceremos um tanto mais.
Mas não se desespere, caro leitor. Ainda há juízes no Brasil. E a verdade, como me disse um célebre ex-diretor de redação de Zero Hora, desmaia por vezes. Mas não falece. A verdade e, acrescento eu, a virtude.