Sempre me perguntei como ordens brutais disparadas por tiranos como Stálin, Hitler e Mao, entre outros, poderiam ter sido executadas se não houvesse uma cadeia de comando liderada por gente muito ruim, claro, mas que se serve de pessoas comuns, das quais não se pode dizer que sejam desprovidas de humanidade. Quanto mais reflito, menos entendo como a torpeza, aquela mesma que entroniza os perversos e lhes dá inspiração para perseguir, machucar, fazer o mal, é capaz se prosperar e sustentar-se.
Sempre foi assim, e continua a ser assim, por mais que nossa espécie avance, ou pense estar avançando, e a despeito de tentativas de compreensão que ao longo dos tempos movem os estudiosos da natureza e do comportamento humanos.
Neste sentido, uma das mais significativas contribuições para dar alguma luz a nosso entendimento foi o relato da intelectual alemã Hannah Arendt sobre o que viu, ouviu, sentiu e pensou durante o julgamento de Adolf Eichmann, o oficial nazista encarregado de despachar judeus para campos de concentração e extermínio. Fazia 15 anos que a segunda grande guerra tinha terminado quando agentes do Mossad, o serviço de inteligência israelense, conseguiu capturar Eichmann em Buenos Aires e levá-lo para ser julgado em Jerusalém. Hannah, de origem judaica, foi surpreendida, ela que não era jornalista, com um convite da revista norte-americana New Yorker para acompanhar o júri e descrever, aos leitores, o esperado sentenciamento de um carrasco.
Foram cinco artigos na New Yorker. Tamanha foi a repercussão que os textos acabaram reunidos em uma obra seminal de Hannah intitulada Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal. É um livro escrito com desassombro por uma mulher que ousou ser fiel às suas próprias percepções. A mais perturbadora delas leva à conclusão de que o carrasco atuou como um burocrata a serviço de um Estado atroz e que contou com o apoio ativo, ou omissivo, de pessoas esclarecidas da sociedade — entre elas, inclusive, certos judeus.
O século 20 acabou, saudamos um novo milênio e continuamos vendo a engrenagem de intolerância e opressão instalando, por todas as partes, uma cumplicidade silenciosa com perseguições. Lamentavelmente, países da América Latina e, agora, o Brasil, se vão afastando dos antídotos, imperfeitos mas essenciais, contra a barbárie de prisões indiscriminadas — portanto, injustas — e até mesmo brutais, como as que acometem pedreiros, manicures, comerciantes e outras pessoas do povo que, sem armas, sem violência, munidas apenas de ideias, princípios e valores, foram confinadas em prisões no Distrito Federal. E o Estado que as persegue faz de tudo para impedir a abertura de uma comissão parlamentar mista de inquérito que apure, com transparência, todas as responsabilidades pelos deploráveis acontecimentos do 8 de janeiro. O que temem governo, suprema corte e o presidente do Senado?
Foi no que pensei ao ler "Marido vai para Papuda e Esposa para Colmeia", publicação recente de Ana Maria Cemin.
Que a injustiça não lhes seja indiferente.