Eles são 36 milhões. Em realidade, quase 37 milhões. Uma Austrália e meia.
É tudo o que se sabe sobre esta nação de brasileiros que não compareceu à eleição presidencial (32 milhões) ou que anulou seu voto.
Cientistas políticos, sociólogos, analistas em geral podem, é claro, apalpar os contornos gerais dessa massa humana, perscrutar minúcias socioestatísticas (sexo, renda, Estado). É útil. Mas não muito revelador.
Assombra-me este dado. 36 milhões. Quem são estas pessoas? Quais são seus momentos de vida? Que aspirações tem? Aliás, algum dia já tiveram? E suas dores? Seus desencantos? O que é possível saber sobre seus valores? O que conta na vida delas? Quantas já terão aquele olhar embaçado pela desistência? Ou pela indiferença do tanto faz como tanto fez?
– Ó aflito periodista, por que tanto interesse nesse pessoal? Não foram votar, e pronto. Vida que segue, entendeu?
– É que... renunciaram ao único poder que têm, o voto.
– Não me faz rir. Poder do voto? Que poder teve o teu voto ou o meu se quem manda no Brasil é o STF? Que aliás não tem voto nenhum. Acho até que tu já escreveste isso uma hora dessas, não escreveu?
– É, eu escrevi. Mas é que esses 36 milhões... São quase 500 Maracanãs lotados e...
– E o quê? Tu bem sabes quem enche ou esvazia a caneta do presidente. E o Congresso? De que valeu o voto em deputado e senador? De quê, me diz! O poder tá lá nos 11 do Supremo, e ponto final.
– Não é bem assim!
– Até concordo, não é bem assim. Não tá nos 11. É pior, tá nos cinco. O quinteto mágico: Gilmar, Moraes, Barroso, Fachin e Lewandowski. Que aliás se aposenta agora mas vai fazer seu sucessor, ou sucessora.
Interrompi o diálogo com A Voz. Seu ceticismo me ajuda, reconheço. Mas há momentos em que preciso respirar fundo e, simplesmente, acreditar. Acreditar que a legião silenciosa compõe um país a ser desbravado, conhecido, entendido. Para, quem sabe, sentir-se representado. E tomar parte na definição de seus destinos.
– Ei, volta aqui!, insiste A Voz. “O que te diz que a massa de não-votantes pode tomar parte na definição de seus destinos? Pelo voto?”
Claro, argumentei eu em meu modo crédulo. Veio-me à mente um performático Alceu Collares em campanha eleitoral nos anos 1990. “O voto é tua única arma. Põe o teu voto na mão. Faz a tua revolução.”
– Ele estava certo. Naquele tempo, a Constituição valia e o voto era uma arma. Mas a democracia morreu, a juristocracia está aí, à revelia do voto, e te digo mais. À revelia até da lei!
Eu ainda ponderei que não podemos, de todo modo, virar as costas para 36 milhões de desistentes, e que os partidos, com seus bilionários orçamentos oriundos de fundos públicos, têm o dever de ir ao encontro destes brasileiros, e escutá-los.
– Tá bom, meu ingênuo periodista, tá bom. Quer saber? Periga tu ainda te desiludires de tuas crenças e te juntares a estes 36 milhões que não estão nem aí.
Perturbador. Mas vou responder à Voz. Cancelá-la não é uma opção. Nunca será – para mim e para quem sonha não ver o Brasil transformado em uma Nicarágua, ou Venezuela.