Início dos anos 1990, os brasileiros vivendo uma combinação medonha. Milhões procurando trabalho, com escassa ou nenhuma esperança, porque só se ouvia falar de demissões em série. Quem estava empregado temia ser a próxima vítima da onda de cortes que pipocavam nos mais diferentes ramos de negócios. Quem tinha dinheiro guardado no banco, ou na poupança, estava impedido de acessar suas economias em razão de um confisco temporário imposto de surpresa pelo novo governo, para estupor geral. Os bancos, ariscos diante da quebradeira iminente, negavam crédito para pessoas – travando de vez a roda do consumo – e também para empresas, o que sufocava o caixa e em muitos casos comprometia até mesmo o pagamento de salários.
Um empresário de porte médio do Rio Grande do Sul chamado Adair Schiavon (1936-2007) viveu dias terríveis, como grande parte de seus pares da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul com os quais trocava impressões e angústias. Sempre fora extremamente conservador na gestão financeira de seu negócio, justamente para não submeter a empresa, e seus funcionários, aos flagelos decorrentes dos ciclos de inflação e desemprego que acompanham, como sombra, a economia brasileira.
Aquela crise, entretanto, se afigurava particularmente grave. E iria piorar. Uma decisão judicial lhe impôs o pagamento de impostos cuja legalidade contestava há muito tempo. Contava com aqueles recursos, depositados em juízo, para ganhar fôlego. Lamentou profundamente a volúpia do fisco e a lentidão da Justiça para tomar decisões – além, é claro, do conteúdo da sentença.
Depois de dias de aturdimento, chamou para uma reunião os gerentes, supervisores, coordenadores, chefes de seção e funcionários antigos – a “família” Unifertil, como gostava de dizer. Todos sabiam do tremendo revés e da provável consequência, ainda mais naquele quadro de miserabilidade da economia brasileira e estagnação dos negócios. Chegaram à reunião consternados, como consternado estava o patrão. A dúvida era, apenas, que extensão teria a degola.
Adair foi direto, voz pesarosa. “Olha, pessoal, lamentavelmente a gente perdeu aquela ação que todo mundo dizia que deveríamos ganhar.” Em cada olhar petrificado, uma família mirava Adair.
– Mas vamos fazer o seguinte: eu conto com cada um de vocês pra recuperar esse valor. Vou pedir pra todo mundo se abraçar, e vamo tocar o barco!
Abraços, aplausos e, aqui e ali, lágrimas.
A empresa sobreviveu, prosperou e acaba de completar 50 anos. Muitas outras não tiveram a mesma sorte. E, talvez, outras tantas não terão se o Brasil seguir refém de decisões insensíveis e lesa-empresa como a tomada pelo STF que, por seis votos a cinco, obrigará o recolhimento, retroativamente a 2007, de um tributo federal (CSLL) para companhias que não pagaram amparadas em decisões favoráveis que receberam do Judiciário brasileiro desde então e que, como dizem os juristas, “transitaram em julgado”.
Pergunto-me a que ou a quem estes senhores que compuseram este hino à imprevisibilidade jurídica estão servindo.