O experiente Renê Simões, com história de sobra no futebol, desenvolve hoje um trabalho especial com alguns técnicos. Virou coach, e ajuda profissionais como Fábio Carille e Zé Ricardo. Mas na sua carreira, um currículo invejável. Passou por clubes como Coritiba, Ceará, Figueirense, Fluminense e Botafogo, além das seleções da Costa Rica, Honduras e Irã. Pela seleção brasileira feminina, ganhou a medalha de prata na Olimpíada de 2004. E na Jamaica conseguiu um feito histórico. Classificou a equipe, sem tradição nenhuma, para a Copa do Mundo da França em 1998. Esse foi o objetivo principal da entrevista para o programa No Mundo da Copa, da Rádio Gaúcha. Saber os bastidores daquela jornada, que teve inclusive briga e ameaça de morte dentro da concentração na véspera da estreia no Mundial. E Renê contou histórias maravilhosas. De outros assuntos também, como a coletiva em que criticou Neymar. Confira o resumo da conversa, que teve a participação dos colegas Leonardo Oliveira e Marcos Bertoncello.
Na sua avaliação como está o nível das principais seleções para a Copa do Mundo?
- Eu acho que vai ser uma Copa do Mundo interessante. Faz tempo que a gente não vê uma mudança de mentalidade de algumas seleções como estamos vendo agora. Não sei foi em função do Chelsea ter sido campeão no ano passado com uma linha de cinco lá atrás. Eu usei isso na Jamaica. Quando o adversário te pressiona, você fecha com cinco atrás, e faz um 5-3-2 ou até um 5-4-1. Quando eu jogava fora fazia um 5-3-2, quando o jogo era em casa fazia um 3-4-3. Faz tempo que isso não era feito em Copa, e acho que vamos ver na Rússia. Qualquer sistema é interessante, desde que você esteja coordenado. Vamos ter algumas coisas interessantes na Copa.
Como foi o momento histórico de classificar a Jamaica, sem tradição nenhuma no futebol, para a Copa de 1998?
- Foi incrível, nosso grupo na Copa tinha Argentina, Croácia e Japão. Eu tinha convicção da classificação para as oitavas de final. A minha previsão era de vitória contra Croácia e Japão e derrota para a Argentina. Mas na estreia perdemos para a Croácia. Tivemos um problema terrível. Um canal de tv da Inglaterra nos seguiu durante seis meses, viajamos o mundo inteiro com a seleção para dar um lastro internacional aos jogadores. Quando tem que ser, não tem jeito. Na véspera da estreia na Copa, em Lens, e esse foi o único hotel que ficamos que tinha esse canal da Inglaterra, pois no dia anterior ao primeiro jogo eles passaram o documentário. No programa eles mostravam os jogadores que nasceram na Jamaica, que eram 16, além dos sete nascidos na Inglaterra que jogavam pela seleção. Pois mostraram eles como pobres, pessoas sem inteligência. E os nascidos na Inglaterra eles apresentavam como ricos, andando de BMW, mas suas casas confortáveis. Em um determinado momento tinha uma imagem dos ingleses jogando na privada um bolo tradicional que os jamaicanos gostavam de comer. Isso arrebentou com o meu grupo. Passei a noite inteira tentando resolver a situação, mas não teve jeito. No dia seguinte, no jogo, foi uma briga enorme, e perdemos por 3x1. Depois contra a Argentina já estava tudo destroçado e levamos 5x0. Aí quando já estávamos fora, fizemos uma nova reunião. Ali naquele momento a situação melhorou e ganhamos do Japão por 2x1.
Como foi essa briga na concentração?
- Foi uma coisa muito feia. O jamaicano tem uma força interna muito grande, nunca vi um povo com uma força tão grande. E os nascidos na Jamaica ameaçaram de morte os nascidos na Inglaterra que jogavam pela nossa seleção. Eles falavam que nunca mais os deixariam entrar no país. Ainda bem que naquela época eu tinha muita força perante ao grupo e consegui acalmar um pouco. Mas voltar ao equilíbrio, com uma situação normal foi impossível. Tomamos gols contra a Croácia que foram frutos de divisão mesmo. O jamaicano não fazia a cobertura do jogador nascido na Inglaterra. Faltou unidade.
Por que a Jamaica nunca mais conseguiu ter uma seleção com aquele nível?
- Naquela época fomos a 28 países diferentes. O problema agora é você ter disposição e dinheiro para fazer isso. Nós conseguimos um patrocínio da American Airlines de US$ 4 milhões em passagens. O governo ajudou, as empresas patrocinavam os jogadores, que deixaram de ser amadores e viraram profissionais. Acho que agora o problema é falta de dinheiro. Eu ajudava muito, participava das reuniões com empresários. Criamos um departamento ara cuidar das famílias dos atletas enquanto eles estava viajando.
Como é essa força do atletismo da Jamaica?
- A velocidade é uma coisa impressionante. Quando eu cheguei lá, eles jogavam em uma velocidade absurda. Antes da Jamaica eu estava no Catar. Foi um choque. Os caras tinham uma preguiça danada no Catar. Aí eu chego na Jamaica e tenho que controlar os jogadores, porque era uma velocidade e agressividade absurdas. Todo jogo tinha dois ou três expulsos. Aí coloquei na cabela deles que tínhamos que ter velocidade e agressividade, mas como Fair Play.
A sua entrevista, em 2010, quando treinava o Atlético-GO, foi histórica, dizendo que estavam criando um monstro ao se referir a Neymar (naquele jogo o atacante bateu boca com Dorival Jr. e não cumpriu ordens do técnico). Como ele está hoje?
- Esse momento dele é totalmente diferente. Em 2010 eu tinha um assistente que trabalhava com o Dorival e eu sabia o que acontecia lá dentro. Era muita discussão e confusão. Até chegar no nosso jogo, quando teve aquele comportamento com o Dorival, e com o próprio Leandro Vuaden. Acho que a família trabalhou muito bem. Ele melhorou muito. No Barcelona o seu comportamento era ótimo. E no PSG ele foi chamado para ser o número um. Então ele tem que bater tudo, pênalti, escanteio e falta.