Há muito tempo - cinco anos é quase uma eternidade no mundo do futebol -, o treinador René Simões criticou um jovem promissor chamado Neymar, hoje o terceiro melhor do mundo, depois de um tenso jogo noturno na Vila Belmiro, no litoral paulista.
- Estou extremamente decepcionado. Estou desde garoto no futebol e poucas vezes vi alguém tão mal-educado desportivamente. Sempre trabalhei com jovens e nunca vi nada assim. Está na hora de alguém educar esse rapaz. Estamos criando um monstro no futebol brasileiro.
Foi adiante, falou mais e em tom duro:
- O que esse rapaz tem feito é inaceitável. Algo precisa ser feito, Neymar tem de ser educado logo. Desse jeito, ele vai virar um monstro.
Na época, setembro de 2010, logo depois da Copa do Mundo da África do Sul - Dunga havia ignorado o atacante paulista na sua lista do Mundial - René, então treinador do Atlético-GO, enfrentou o Santos pela Copa do Brasil. Perdeu (4 a 2). Ficou indignado quando Neymar enfrentou e desrespeitou Dorival Jr., treinador do Santos na época e que não permitiu que o craque cobrasse um pênalti. A declaração ganhou combustível de polêmica nacional. Ficou gravada. É recuperada de tempos em tempos, como agora, dias de Neymar como referência planetária:
- Neymar mudou muito. Votaria nele como o melhor jogador do mundo de 2015 se pudesse. Ele está mais profissional e encara o jogo com muito mais respeito. É outra pessoa. Antes, ele se comportava como se as outras pessoas, colegas de profissão, não existissem.
Alcanço René no Rio. Chove muito e faz mais calor ainda. Ele está desempregado desde o segundo semestre de 2015, quando treinou Botafogo e Figueirense. Recusou convites para voltar à beira do gramado. Está mais interessado em rever a gestão dos seus oito restaurantes especializados em camarão, importados frescos da baiana Valência, que possui na capital carioca.
Aos 63 anos, treinador desde 1978, perdeu as contas de quantos clubes e seleções defendeu em quase quatro décadas de trabalho no país e no Exterior. Ele é uma pessoa educada, atenciosa e articulada. Fala pausadamente. Sempre pergunta se o interlocutor entendeu a resposta.
Ele lembra do episódio com o craque do Barça:
- Nunca falei com ele (Neymar). Não tinha nada o que falar. Sei que os seus pais são muito bons. O ajudaram muito. Uma família estruturada tem muito valor na vida de qualquer pessoa.
O arrependimento nunca o pegou.
- Foi um momento de desequilíbrio do Neymar. Alguém tinha que falar. As pessoas públicas precisam dizer certas coisas.
Eu o chamo de professor. Os treinadores da velha guarda do Brasil gostam de ser tratados assim. O título oferece importância. René passou anos e anos tratando com jovens, atuando em categorias de base. Hoje está menos preocupado com atletas com menos de 18 anos - a idade de Neymar no ano da polêmica. Sua concentração vive nos treinadores, desde a década passada faz parte do Painel de Treinadores da Fifa.
- Quando lia os relatórios da Fifa sobre Copas do Mundo, notava que os atletas eram sempre elogiados, os treinadores, nunca. Jamais exaltava o técnico. Será que o Zagallo não fez nada no Mundial de 1970 ou o Carlos Alberto Parreira em 1994? Será que os títulos estão na conta só dos jogadores? Não, né. Seria injusto.
No mês passado, René figurava entre os professores do Curso para Treinadores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que reuniu Dunga, Parreira, Mano Menezes, Doriva, Hélio dos Anjos, Joel Santana, entre outros.
- Sempre fui um crítico da CBF, mas desta vez ela acertou. Vou participar dos projetos. A CBF está mais preocupada com o treinador, deseja ajudá-lo, oferecer cursos e orientá-lo melhor.
Ele sabe o que vai fazer.
- Sofri quando trabalhei no Exterior (Oriente Médio e América Central). O Vanderlei Luxemburgo, quando dirigiu o Real Madrid (2005), não deu certo. Ele não entendia a cultura do futebol do país, como eu também não compreendia na minha época. Ficamos vulneráveis fora do nosso país. Quero ajudar os treinadores brasileiros que forem trabalhar fora, contar da minha experiência e trocar ideias. Acho que posso colaborar.
Renê promete voltar ao mercado. Não agora. No dia da ligação, 13h, ele estava mais preocupado em descobrir um novo logo para os seus restaurantes, fartos em frutos do mar.
*ZHESPORTES