Todo mundo – que já era nascido – sabe onde estava quando John Kennedy foi morto. Eu estava vendo desenhos animados na TV e achei um tanto despropositada a entrada em cena dum sujeito de ar circunspecto anunciando que alguém tinha sido assassinado. Só me assustei quando minha mãe se pôs a chorar. Mas, como ela sempre quis ser Jackie Kennedy, achei natural eu querer ser John-John, um ano e meio mais moço do que eu, e que apareceu no dia seguinte batendo continência no enterro, a que assisti como se o pai dele fosse meu parente. Só desisti de ser ele ao me apaixonar por sua irmã, Caroline, só seis meses mais velha do que eu, metida num vestido azul, parada ao lado dele, ambos diante do caixão do pai.
Todo mundo – que já era nascido – sabe onde estava quando o homem chegou à Lua. Eu estava em uma fazenda de laranjas, em Limeira, no interior de São Paulo. E, como todo mundo que já era nascido, logo após ver na TV as imagens em preto e branco, ecoando meio metálicas, com umas tiras no “horizontal” mal regulado, saí à rua para olhar o astro-rainha, luzindo prateado, mais perto e mais longe do que nunca, imaginando o sujeito que, lá em cima, dera um passo tão pequeno para ele e um salto tão grande para a humanidade.
Todo mundo – que já era nascido – sabe onde estava quando o Brasil foi tri no México. Eu estava na sala da minha casa, com meus pais, todo mijado. Sim, quando a seleção fez o primeiro gol, fiz xixi nas calças. Bem na hora em que comecei a tirá-las, a Itália empatou. Meu irmão então me obrigou a seguir com as “calças da sorte”. Como eu ainda não havia pegado nojo daquela camiseta amarela e nem da seleção que a traja, acho que valeu a pena.
Todo mundo sabe – até porque todo mundo já era nascido – onde estava no dia 11 de setembro de 2001. Eu estava num shopping comprando ingressos para o Porto Alegre em Cena, quando minha sogra ligou e disse: “O mundo está acabando”. Achei que ela só estava querendo me dar falsas esperanças, mas não é que ela quase acertou? O mundo não acabou, mas antigas certezas ocidentais desabaram junto com aquelas torres, virando pó tóxico e ruínas fumegantes.
Mas a questão é que todo mundo – ou quase – que já era nascido em 1973, não sabe ou não lembra, e sequer sabe por que deveria lembrar, onde estava no dia 11 de setembro daquele ano. Pois em 11 de setembro de 1973, o ignóbil general Pinochet desferiu um dos mais sangrentos golpes contra um regime constitucional já deflagrados nesta América de tantos golpes. Que, quase meio século depois, ainda existam pulhas capazes de defender ditaduras é bem mais difícil de explicar do que o assassinato de Kennedy ou do porquê de o Talibã estar de volta ao poder num Afeganistão devastado. E algo 1 milhão de vezes mais indigno do que uma criança assistir a um jogo toda mijada.