Chegou por WhatsApp: “Acabo de experimentar os 30 dias de degustação gratuita de 2021. Não gostei do produto, quero cancelar minha assinatura. Favor não insistir. Obrigado”. Mas se o vendedor for persistente e esperto, bem poderá contra-argumentar: “Caro cliente, esses 30 dias foram enviados por engano: mandamos sem querer o 13º mês de 2020, o ano da peste. O ano de 2021 ainda nem começou. Que tal uma nova chance?”.
Quem, em sã consciência, poderá refutar a lucidez desses argumentos? Janeiro já veio e já foi sem trazer novidade alguma: apenas deu sequência ao suplício que, se bem me lembro, começou em março. Assim, 2021 entrou em cena como uma espécie de prorrogação não solicitada de 2020 – tipo pênalti roubado nos descontos, com VAR desligado e depois com VAR ligado demais. Algo vil, rasteiro, abjeto e desprezível. Cancela minha assinatura.
Bom, janeiro, você sabe, é o mês de Janus, o deus romano que abre e fecha as portas. Desta vez, não se sabe se ele as escancarou para que tudo de ruim continuasse entrando, ou se as manteve cerradas para que nada de bom pudesse cruzar o umbral. Mas quem sabe se fevereiro não veio jogar a pá de cal em quem acha que as coisas não podem piorar. “Vós que aqui entrais, abandonai toda a esperança”, poderia ser o alerta grafado no portal de Janus que se abre para a entrada triunfal de Fébruo, o deus da morte (e, vá lá, da purificação).
Sim, que culpa tenho eu se fevereiro não só é o mês do Carnaval (que este ano não virá) mas o mês de Fébruo, o deus que não é flor que se cheire?
Mas isso não significa dizer que a história desse mês capenga, do qual tungaram não só um, mas dois dias, não seja deliciosamente reveladora dos destemperos do tempo, da vaidade humana e de nossa constrangedora submissão aos mandos e desmandos do Império Romano.
Recapitulando: em 46 a. C. (quando as pessoas se perguntavam: “Em que ano estamos?”, “Ora, em 46 antes de Cristo”. “Antes de quem?”), o todo-poderoso Júlio César estabeleceu o calendário... bem, o calendário juliano. Aboliu o calendário lunissolar, criado em 753 antes de Quem?, por Rômulo, aquele que mamou na loba e matou o pobre Remo. Nesse calendário de 10 meses lunares, Februarius era o 10º e último mês do ano – e, por isso, tinha só 29 dias, tadinho. Com a entrada em cena de Janus, o pobre Fébruos caiu para segundo lugar. Pouco mais tarde, em 8 a.C. Augusto inventou o mês de agosto, singela homenagem a si mesmo. Mas agosto ficou só com 30 dias, enquanto julho, o mês que Júlio Cesar criara todinho para si, tinha 31. Aqui ó, que Augusto ia ficar pra trás. O que fez ele então? Ora, tomou mais um dia do pobre Februarius, que passou a ter míseros 28.
Portanto, se esse fevereiro for um horror, você já sabe de quem é a culpa. De Augusto, do VAR e do Lira.