A chegada de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara tranquiliza o presidente Jair Bolsonaro mas não garante adesão total à agenda do governo. Respaldado pelos 302 votos obtidos no 1º turno, Lira tem mais compromissos com o bloco de partidos que garantiu sua vitória do que com o atual inquilino do Palácio do Planalto.
A esperada guinada na pauta da Câmara não será automática. Temas citados como prioridade pelo mercado e analistas políticos, como as reformas tributária e administrativa, não são consenso na Casa e só devem andar se houver pressão externa. Lira defende as reformas como eixo para retomada do crescimento econômico, mas nos bastidores admite dificuldades para destravá-las. Até mesmo a pauta de costumes, tão cara ao bolsonarismo, sofre resistências entre as bancadas.
Na largada, Lira vai agilizar a votação do orçamento da União para 2021, entrave que não foi superado no ano passado e pode impedir o governo até de pagar o salário do funcionalismo. Em seguida, o novo presidente pretende colocar em discussão um novo tipo de auxílio emergencial. Seria um paliativo até a criação de um programa social mais robusto e inclusivo do que o Bolsa Família.
Lira tem sido comedido ao tratar do assunto, mas advoga um benefício menos restritivo, em que a pessoa não deixe de receber caso arranje um emprego, por exemplo. Como benefício é gerido pelo Ministério da Cidadania, pasta incluída na reforma ministerial que se avizinha, o tema deve ganhar corpo nos próximos meses.
— Sempre defendi um programa novo, mais inclusivo, seja com que nome fosse, com critérios bem definidos. O que nos impedia era o teto de gastos, que não vamos extrapolar. Mas com o orçamento aprovado, você deve ter uma extensão do auxílio emergencial, até a criação de um programa definitivo — projetou Lira há duas semanas, durante visita a Porto Alegre.
A vitória de Lira consolida o embarque do centrão no governo. Embora alguns partidos como PSD, Republicanos e PL já estivessem negociando espaços no varejo, agora há adesão formal do bloco, com a conquista iminente de postos no primeiro escalão e no comando de estatais. Há costuras em curso visando, além do Ministério da Cidadania, as pastas da Saúde, Turismo e Casa Civil, além de pressão pela recriação das estruturas da Cultura, da Pesca e do Esporte.
Será a primeira vez que Bolsonaro terá uma base de sustentação na Câmara, porém sem promessa de aval à pauta do ministro da Economia, Paulo Guedes. Pelo contrário. Refratário à visão fiscalista do ministro, o centrão é contra privatizações e redução do gasto público. Mudanças mais profundas, como reformas estruturantes, só passam com um ampla negociação pessoal. A reforma da Previdência, aprovada em 2019, custou ao Planalto R$ 3 bilhões em emendas parlamentares — mesma cifra empenhada agora somente no Ministério do Desenvolvimento Regional em troca do apoio a Lira.