É uma palavra sonora, enigmática, onomatopeica. Palavra retumbante e ancestral: butantã. Quer dizer “terra muito dura”. Alguns filólogos acham até que a tradução mais ajustada seria “terra dura, dura”, para ecoar a repetição deliberada no étimo original: bu-tan-tan; um superlativo pela repetição do adjetivo. É nome tupi – como tantos que ecoam por São Paulo: Anhembi, Ibirapuera, Anhangabaú. Foram os jesuítas, responsáveis pela “conquista espiritual” dos tupiniquins do planalto, que os deixaram registrados e consolidaram seu uso. Após se assenhorarem das palavras e das almas dos nativos, os milicianos de Inácio de Loyola tomaram-lhes também as terras e criaram, às margens do rio dos Pinheiros, a fazenda Butantã.
Quando os batinas-negras foram expulsos da cidade que eles mesmo haviam fundado (e, a seguir, expulsos do Brasil), a fazenda Butantã passou a pertencer à Coroa. Como não é difícil supor, ficou ao deus-não-dará, ervas daninhas brotando da terra dura, muito dura. Mas isso tudo foi nos idos em que São Paulo – batizada em homenagem ao caçador de cristãos que se converteu após um tombo – era só um burgo isolado e perigoso, que “buscava remédio para sua pobreza” na caça ao índio e na caça ao ouro. Antes de o café – o “ouro verde” – chegar trazendo dinheiro, progresso, fartura e a ganância.
Mas, junto com os imigrantes, o porto do café, na Baixada Santista, viu desembarcar também a febre amarela, a varíola e a peste bubônica. Após a febre tomar-lhe uma filha, o então presidente de São Paulo, Rodrigues Alves, decidiu sanear o Estado. E foi graças a ele que a Fazenda Butantã não só renasceu como o Brasil veria surgir, em torno dela, um four de ases capazes de suplantar Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino: os sanitaristas Vital Brazil, Adolfo Lutz, Emílio Ribas e Oswaldo Cruz. Eles criaram um soro antipestoso e acabaram com a bubônica; implementaram as vacinas e venceram a febre e a varíola e, como se não bastasse, com Vital Brazil à frente, desenvolveram um soro antiofídico que chamou a atenção do mundo para o Butantã, tornando-o referência universal em herpetologia (o estudo dos répteis e anfíbios).
Foi graças ao zelo sanitarista que Rodrigues Alves reelegeu-se presidente do Brasil em 1919 (fora presidente de 1902 a 1906) – mas, por amarga ironia, morreu de “gripezinha” espanhola antes da posse. Se a história se repetisse, não seria como tragédia, até porque vivemos no tempo dos farsantes e das víboras, najas e jararacas enroscadas no poder. Mas vá que as pragas que Brazil, Lutz, Ribas e Cruz hão de estar enviando da tumba retumbem na vida e na “obra” dos tantãs que ousam afrontar os soros, as vacinas e as curas vindas do Butantã.