Uma resenha do The New York Times catapultou Jack Kerouac do anonimato à fama da noite para o dia. Sabe-se, aliás, o dia, embora ainda fosse de noite: pouco depois da meia-noite de 4 de setembro de 1957, parado à luz solitária de um poste, na esquina da Rua 66 com a Broadway, Kerouac folheou avidamente as páginas do jornal recém saído da gráfica até deparar com a crítica. Nela, Gilbert Millstein afirmava que On the Road era “uma obra-prima vinda para desvendar o espírito de uma época”. Jack foi dormir na obscuridade pela última vez. Quando o telefone o despertou bem cedo, no dia seguinte, ele era uma celebridade.
Uma resenha do The New York Times catapultou Bob Dylan do anonimato à fama do dia para a noite. Sabe-se, aliás, o dia, embora Dylan só tenha lido o jornal tarde da noite de 29 de setembro de 1961, no porão enfumaçado do Gerde’s Folk City, o café no Greenwich Village onde ele estava tocando. Bob folheou displicentemente as páginas até deparar com a crítica. Nela, Robert Shelton afirmava ter visto “um novo e radiante rosto na cena folk que, aos 20 anos, já é um dos mais notáveis estilistas a surgir nos cabarés de Manhattan”. Bob foi dormir com o sol alto. Quando o telefone o despertou de tarde, era o convite para assinar com a CBS.
Uma notícia do The New York Times chamou a atenção de Truman Capote em meio ao seu refinado desjejum, pelo meio-dia de 16 de novembro de 1959. Ela registrava o assassinato de um fazendeiro e sua família, numa cidadezinha perdida nas planícies ventosas do Kansas. Capote reconstituiu o crime em minúcias no livro A Sangue Frio. Ao fazê-lo, inventou o romance de não ficção. O livro daria origem também ao chamado new journalism, do qual um dos pilares foi Gay Talese. Talese escreveu não só o clássico Fama e Anonimato, como também O Reino e o Poder, a própria história do New York Times.
Conto isso não só porque sou grato ao NY Times, ou porque meu livro sobre o descobrimento do Brasil ganhou destaque em suas páginas, no ano 2000. Conto porque o mais importante jornal do mundo acaba de abrir seu voto, se não “a favor” de Joe Biden, pelo menos contra o mentiroso compulsivo Donald Trump.
E isso me inspirou a usar essas mal traçadas linhas para sugerir que a minha, a sua, a nossa Zero Hora faça o mesmo. Não só com relação a Trump, mas também à sua pobre e esfarelada versão tropical, o dito Bozonaro. E não resta dúvida de que estou qualificado para propor isso: já ganhei até resenha no New York Times.
Mas se, ainda assim, você discorda de mim, então fique lendo o colunista que, em nome da pluralidade, ZH vem publicando nos fins de semana. Embora eu particularmente ache que, em casos de lesa-humanidade, um jornal deva ser singular.