Iniciei minha fulgurante – e quase sempre errática – carreira jornalística nas páginas de ZH. Foi em agosto de 1976, logo após a invenção da escrita. Eu tinha 18 anos e fui contratado como estagiário. Ganhando meio salário mínimo, estava isento de imposto de renda. Graças ao talento e à modéstia, fui logo promovido. Passei a ganhar um salário e meio: ainda insuficiente para ser taxado pelo fisco. As coisas mudaram de oito para 80 quando a TV Globo veio me pegar – e pagar. No Rio, meu salário ficou 25 vezes maior. E meu cargo tão "especial" ("repórter especial"), que minha declaração de renda era feita por uma secretária.
Num arroubo juvenil, flertando com a estupidez, me demiti. Voltei para Porto Alegre e fui trabalhar no Coojornal, por um quinto do que ganhava. Como era uma cooperativa – estávamos lá construindo o novo mundo (pena que ninguém percebeu) –, não tinha esse papo de "carteira assinada". Então, não paguei imposto. Quando as bombas da direita quase fecharam o jornal, decidi me aposentar. Fui morar no mato – em comunidade. Quase não usávamos (até porque não tínhamos) dinheiro. Era tudo escambo: tipo, uma tora por um saco de ervas finas. E, é claro, lá ninguém pagava imposto.
Em 1989, voltei ao mundo irreal e fui parar no Estadão, em São Paulo. Contratado como PJ, quem pagava meus impostos era o contador. Em 1992, voltei para ZH, onde algum incauto me pôs em tão elevado cargo, que voltei a ter secretária. Ela declarava meu imposto.
Assim, em 1998, quando, após sair do jornal, escrevi livros sobre história do Brasil que venderam meio milhão de exemplares e ganhei dois rios de dinheiro, eu jamais havia declarado meu próprio imposto. Para manter a tradição, nada declarei. Nem saberia fazê-lo, se quisesse. Como não é difícil supor, cai na "malha fina". Um auditor da Receita me olhou e disse: "Foi capa da Caras e não declarou imposto de renda?". Com a multa e o imposto devido, paguei, em 1999, de uma sentada, cem vezes – sim, você leu certo: cem vezes – mais imposto do que Donald Trump nos quatro últimos anos.
Assim, parece natural que o presidente do Brasil não só venere esse Donald aí como, com toda coerência, queria perdoar a dívida de R$ 1 bilhão que as igrejas evangélicas têm com o mesmo fisco para o qual, nos últimos tempos, paguei mais do que Fabrício Queiroz já depositou na conta da Micheque e de seus entediantes enteados. Em 3 de novembro, veremos o que os eleitores norte-americanos acham das declarações – no caso, das "não declarações" – de trapa Trump. Já por aqui, dizem que a popularidade do "Trump dos trópicos" está tão alta quanto os impostos que ele gostaria de perdoar dos pastores. E cobrar do rebanho.