Ok, você não aguenta mais ver e ler, nem ouvir falar em, Covid-19. Enxerga o nome corona e já vira a página? Eu também. Proponho então trocar de moléstia. Que tal a velha sífilis? Ah, nada como uma doença venérea para singrar num mar de suspeitas. Pois, no caso da sífilis, as suspeitas já a cercam desde o início – ninguém sabe de onde ela veio. Mas talvez mergulhar nas entranhas dessa lasciva enfermidade traga lições do pretérito para esse presente doentio e seu futuro nebuloso.
Uma das primeiras e mais, digamos, sensíveis consequências da descoberta do Novo Mundo por Colombo foi o surgimento (ou, quem sabe, o recrudescimento) da sífilis na Europa. Até hoje não se sabe se foram os marujos colombinos que levaram a doença para o Velho Mundo ou se ela já existia lá. O fato é que após à invasão francesa a Nápoles em 1495 a sífilis passou a corroer corpos e mentes europeias. O mais bizarro é que, mesmo achando que veteranos de Colombo fossem os primeiros transmissores, os europeus passaram a acusar uns aos outros pela disseminação da moléstia. Para os franceses, era o “mal napolitano”; para os italianos, a “doença francesa”. Os portugueses a chamaram de “enfermidade castelhana”, os poloneses de “doença alemã” e os russos, de “doença polonesa”.
A enfermidade foi batizada a partir do poema escrito em 1530 pelo médico Girolamo Frascatoro, Syphilis sives morbus galicus (“Sífilis ou a doença francesa”). Sífilis era o nome do pastor punido pelos deuses por sua vida dissoluta. Frascatoro tratava a sífilis com lascas de guaiaco, árvore nativa do Haiti. O maior propagandista do guaiaco era o cronista Gonzalo de Oviedo, contratado pela riquíssima família Függer para indicar o medicamento. Os Függer tinham o monopólio da importação do guaiaco e fizeram fortuna com ele. Outros médicos negavam que houvesse, como dizer, “comprovação científica” da eficácia do guaiaco. Esses, defendiam o uso do mercúrio – que, de fato, acabava com a sífilis embora às vezes acabasse também com o doente. Os Függer deram de ombros: eram monopolistas do mercúrio. O pernicioso metal foi usado contra a sífilis até o século 20. Mas a cura era tão duvidosa que não há de ser coincidência o fato de mercúrio, em inglês, ser “quicksilver” e charlatão, quacksalver.
Alguma lição para o Brasil de hoje? Sei lá. Sei só que já tivemos um vice morto pela sífilis (Delfim Moreira), que havia assumido após o presidente eleito morrer de gripezinha (Rodrigues Alves), logo sendo substituído pelo ex-ministro da Justiça (Epitácio Pessoa). Ainda bem que a história jamais se repete. Já pensou um presidente morrer de gripe e depois o vice sifilítico ceder seu lugar para um ex-ministro da Justiça? Cruzes!