Há mais de meio século, não consigo fazer com que minhas resoluções de Ano-Novo perdurem por mais de um mês. Mas, como ainda estamos em janeiro, continuo cumprindo a palavra dada: sigo ignorando o presente e de olhos bem fechados para o futuro, em leve e descompromissada incursão pela história da arqueologia. Não darei, portanto, uma só palavra sobre o comunista Goebbels e a nazista Regina Duar... – ops, posso estar trocando as bolas. Não farei uma única menção ao irmão do mandatário (alguém sabia que ele tinha um?) nem ao confronto entre MP e STF e muito menos ao tal juiz de garantias. Tão grande meu distanciamento dos fatos, que evitarei degustar até minha guloseima favorita: chocolate Kopenhagen sabor laranja. Não! Não falarei sobre coisas horríveis. Só falarei sobre "coisas maravilhosas".
– Consegue ver alguma coisa? – perguntou, com a voz trêmula, o pequeno e notável lorde Carnarvon.
– Sim, coisas maravilhosas – balbuciou Howard Carter após 45 segundos que pareceram durar séculos, enquanto espiava pela fresta escavada na porta da tumba, inviolável e selada. Sob a luz bruxuleante do archote que fizera penetrar no ar pesado e quente da câmara mortuária, Carter viu tremeluzir tronos, bigas, adereços e joias – tudo em ouro cravejado de pedras preciosas. Eram sete horas da manhã de 25 de novembro de 1922 e a maior descoberta da história da arqueologia tinha acabado de se concretizar.
Impossível duvidar que os britânicos Howard Carter, um arqueólogo que havia nascido na penúria mas que jamais havia desistido de perseguir seus sonhos, e Carnarvon, um perdulário lorde inglês que jamais havia desistido de comprar os seus, formassem a dupla ideal para operar o prodígio que, no instante em que ambos penetraram na tumba de Tutancâmon, tornou-se uma espantosa realidade.
Por cinco temporadas seguidas, financiado pelos recursos aparentemente inesgotáveis de Carnarvon, Carter esquadrinhara o Vale dos Reis, no Egito, em busca da tumba perdida de um faraó desconhecido. Faltavam apenas três dias para o prazo se esgotar quando sua equipe encontrou um degrau soterrado na areia. Uma semana e 16 degraus depois, Carnarvon e Carter estavam frente à porta selada do sepulcro. O resto é História.
Com as bênçãos deles, rezo para que a maldição da múmia de Tutancâmon – que tantas vidas ceifou – siga recaindo sobre todos os que evocam o nazismo, atacam as artes, culpam a imprensa e se servem de laranjas. Mas que poupe aqueles que não cumprem suas promessas de Ano-Novo depois de janeiro.