Era 1973, eu tinha 15 anos e havia me tornado cinéfilo no final do ano anterior, graças às férias em Punta, onde passavam os filmes que estavam proibidos no Brasil e eu, mesmo sem entender lhufas, fui vê-los todos – nem que fosse pelo prazer da transgressão. Mas peguei gosto pela coisa e, como naquela época existia um lance chamado cinema (para quem não lembra, ou não conheceu, cinema era uma arte – a sétima delas, diziam – que consistia em contar uma história com imagens em movimento e diálogos bem escritos, no intuito de melhorar o mundo e, se desse, de quebra, divertir quem assistia), passei a ver de três a quatro filmes por semana. E a escrever sobre eles, numa caderneta cinza comprada na Livraria do Globo. Ainda tenho a caderneta – mas a Globo não tenho mais.
Além de termos cinema (e a Globo), tínhamos cinemas na rua. E foi no Baltimore, na Rua Osvaldo Aranha, ao lado daquele que viria a ser o Bristol, que, em março de 1973, estreou No Mundo de 2020. Bom, se em 1973 o ano 2000 já me parecia um futuro inatingível ("Vou ter 42 anos no ano 2000", pensava. "Isso se estiver vivo e o mundo não tiver acabado"), lembro bem de como aquele título soou para mim (e para todo mundo que viu – ou ouviu falar – no filme): o"mundo de 2020" era a mais remota ficção científica. Afinal, se viesse a existir, seria quase 40 anos depois de 1984, o livro de George Orwell que eu havia lido naquele mesmo verão, na mesma Punta. E o fato de faltarem "apenas" 11 anos para 1984 não o tornava – pelo menos não para mim – mais próximo. Onze anos é tempão quando você tem 15...
Fato é que No Mundo de 2020 estreou no Baltimore. O diretor era Richard Fleischer e ele já tinha feito o ótimo Tora! Tora! Tora!. Edward G. Robinson, o delator, e Charlton Heston, o lobista pró-armas, estavam no elenco. Eu nada sabia do passado dedo-duro de um, nem do dedo no gatilho do outro. Mas o filme começou e se revelou uma desvariada "distopia". Não sei se de onde o roteirista tirou tantos desatinos, mas, naquele futuro impossível, os recursos naturais se esgotaram, os oceanos estão em extinção, há superpopulação, pobreza generalizada, calor e umidade insuportáveis, efeito estufa, ganância e ódio e os governantes são fascistas ou canalhas. E os ricos têm tudo, enquanto os pobres... bem, os pobres nada têm.
Ainda bem que a vida não costuma imitar a ficção, esse horrível mundo descrito No Mundo de 2020 ainda vai demorar muito tempo para se concretizar. Afinal, recém entramos no – oh céus – mundo de 2020!