Quando criança – ali pelos oito, talvez 10 anos –, decidi, com a solidez que só as resoluções infantis costumam ter, que, quando fosse grande, seria arqueólogo. Tão logo descobri que paciência, método e uma boa dose de habilidade manual eram pré-requisitos indispensáveis para o exercício da profissão, resolvi repensar meu futuro. Minha paciência inexiste, meu método (se é que o tenho) sempre foi errático e até hoje demonstro certa dificuldade na hora de atar os cadarços. Mas isso não significa que a paixão pelo passado e pelos homens e mulheres que o desenterram tenha arrefecido. Pelo contrário: acabei virando quase um arqueólogo. Sem sair da poltrona, é claro.
Assim, tendo por base dois pretextos – o lançamento de Uma Breve História da Arqueologia, de Brian Fagan (L&PM), e minha resolução de ano novo de tentar distanciar-me um pouco do nojento presente que vivemos –, pensei que minhas crônicas de 2020 deveriam versar sobre... arqueologia. Agiria, assim, feito uma espécie de avestruz, enfiando a cabeça na areia em busca não só de refúgio, mas de conteúdo.
Aí, sentei frente ao computador disposto a cumprir a promessa – nem que fosse para variar. Logo dei por mim escrevendo sobre Nínive, Nimrud, Ur e, é claro, a inigualável Babilônia – as primeiras cidades da humanidade, todas na Mesopotâmia, que há quem prefira agora chamar de Iraque. A seguir, fui para a imperial Persépolis – "a cidade persa" –, capital cerimonial onde a humanidade aprendeu a celebrar o Ano-Novo. Era como se Dario, Xerxes e Artaxerxes estivessem por trás de cada coluna impávida. Então, num arroubo poético, versejei:
Vou-me embora pra Pasárgada/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que quero/ Na cama que escolherei.
Pasárgada (o "campo dos persas") foi, você bem sabe, a primeira capital da Pérsia, que agora há quem prefira chamar de Irã. Ciro, o Grande, a construiu 540 anos antes de Cristo. Lá, não encontrei "Joana, a Louca de Espanha/ Rainha e falsa demente// Que vem a ser contraparente/ Da nora que nunca tive". Mas vi, isso sim, um drone MQ-9 Reaper, de 20 metros de comprimento e 11 de largura, zumbindo a 370 km/h – obra da General Atomics Aeronautical, ao custo de US$ 64,2 milhões. Fora lançado pelo falso demente, o Bozo do mundo, ex-apresentador de TV que se acha Master Chef mas não passa de um Aprendiz e que da grandeza de Ciro ou da generosidade de Dario nada tem.
Mas não lamento ter-me ido embora pra Pasárgada. Afinal é melhor ser amigo dos reis de lá do que dos bobos das cortes daqui.