Toda vez que uma guarnição armada deixa a caserna, em geral ao raiar do sol, para derrubar um regime constitucional, só há uma definição para essa ação: golpe militar. Pode ser um golpe baixo, um golpe brando, um golpe branco ou um duro e sanguinário golpe. Pode ter tido o apoio da sociedade civil ou pode ter sido dado à revelia dela. Também se pode chamá-lo por outro nome: proclamação da República, revolução de 30, Estado Novo ou "movimento de 1964". Não faz diferença: em sua essência, trata-se apenas e tão somente de um golpe militar. Ponto.
Assim, o que se deu ao raiar do sol de 15 de novembro de 1889 foi, é claro, um golpe militar. E nem é preciso estudá-lo a fundo para saber que foi um golpe desconjuntado, a flertar com o patético. Tanto é que os integrantes do 1º Regimento de Cavalaria, bem como os 600 soldados do 9º Batalhão de Infantaria, nem sequer sabiam se estavam agrupados ali, no Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro, para participar de uma parada ou... de uma quartelada.
Isso não chega a ser surpresa, pois entre os articuladores do levante não havia consenso ou certezas, nem comungavam eles dos mesmos objetivos. O principal ideólogo do movimento, o tenente-coronel Benjamin Constant, queria, é claro, derrubar o Império e proclamar a República na mão grande. Mas a manu militari do motim, o marechal Deodoro da Fonseca, entrou em cena e só destituiu o presidente do Conselho dos Ministros, Visconde de Ouro Preto. A seguir, desferiu um tapa na cara do cadete que ousou gritar "viva a República" e, em alto e bom som, frente à tropa sublevada, declarou que era "amigo" do imperador D. Pedro II. Então, abatido por uma crise respiratória, voltou para a cama.
Foi só ao cair da tarde – vítima de fake news (segundo a qual D. Pedro II substituíra o recém-derrubado Ouro Preto pelo grande desafeto do marechal, o gaúcho Silveira Martins) –, que Deodoro, ainda acamado e com a voz entrecortada pela dispneia, balbuciou a constrangedora frase: "Digam ao povo que a República está feita". E por falar em povo, por onde andava ele? Bem, o povo "assistiu a tudo bestializado, atônito, surpreso, sem alcançar o que significava", conforme diagnosticou o jornalista Aristides Lobo, testemunha ocular da História, republicano convicto e ministro do Interior no breve governo de Deodoro. Um governo, aliás, que se mostraria tão desarticulado quanto o golpe que o levou ao poder.
Sim, eu sei: parece que foi ontem. Mas na verdade foi hoje – exatos 130 anos atrás.