Sim, essa é mais uma crônica anacrônica, como outras que a antecederam. Mas vá que assim ela se ponha em consonância com o país retrógrado e atrasado que sonha em decifrar. Bom, fato é que já se passaram três meses desde que voltei de Paris, onde, por puro acaso, chegamos no dia 14 de julho, encontrando a mais linda capital do mundo em êxtase a festejar os 230 anos da Revolução Francesa. Assim, lá estava eu, no Campo de Marte, contemplando, boquiaberto, o esqueleto da Torre Eiffel à medida em que ele ia se transformando num vulcão de hastes metálicas a expelir fogos multicores; uma cascata de cintilações que, antes de sumir, riscava os céus com seus estampidos e fulgores.
Muitos daqueles fogos eram rubros e escarlates e lá pelas tantas passei a refletir sobre o sangue derramado aos borbotões pela revolta popular que pôs fim à monarquia e à dinastia dos Bourbon, e que em nome da "liberdade, igualdade e fraternidade" tantas cabeças cortou. Então, como quem caça dragões nas nuvens, dei por mim – talvez sob o efeito dos queijos (que do vinho não haveria de ser) – a vislumbrar nas estrelas cadentes dos fogos as faces encarnadas de Danton, Robespierre e Marat, quando não as cabeças decepadas de Maria Antonieta e Luis XVI (e de outros cerca de 15 mil) justiçados pela lâmina do senhor Guillotin. Um turbilhão de dor e morte que, ainda assim, abriu caminho para um mundo mais justo.
Corta.
(Peço desculpas ao leitor mais sensível pelo verbo acima – usei-o no sentido editorial, quase cinematográfico, da palavra, indicando o fim de uma cena e o início de outra.) Estamos –bem, é só uma metáfora; eu não estava nem jamais estaria lá, nem de corpo nem de espírito – na Conferência da Ação Política Conservadora, realizada em São Paulo, na semana passada. O líder, o mandachuva, o, digamos, capitão daquilo sobe à tribuna e, feito profeta às avessas, volta o olhar para trás e proclama: "Em 1917 tivemos a Revolução Comunista; em 1949, a Chinesa; em 1959, a Cubana e em 1964, os militares conseguiram impedir a Revolução Brasileira, salvando nosso país do comunismo".
Ao ler isso nas páginas de ZH, pensei que faltou citar a primeira revolução que essa turma foi contra: a Francesa, é claro. Afinal, qualquer coisa que tenha a ver com Iluminismo, com ciência, razão, Estado laico e direitos humanos ainda não passa por certas cabeças – que se não estão separadas do corpo, servem mesmo para separar as orelhas.