Em dezembro de 1977, Bob Dylan assentiu em dar uma entrevista para a revista Rolling Stone. Foi no tempo em que o jornalismo literário existia e os repórteres sabiam driblar o ordinário com graça e estilo. A tarefa de decifrar as reticências tão prenhes de significado e os humores sempre cambiantes de Dylan recaiu num jornalista brilhante, Jonathan Cott. Tão logo chegou ao local marcado, Cott soube que Dylan queria dar a entrevista "em movimento" – e assim embarcaram ambos no Mustang azul–metálico de Bob; o cantor ao volante. Num piscar de olhos, já rodavam pelos arredores de Los Angeles, em terrenos áridos e crestados, sem sombras ou árvores, como lugar onde falecem as águas. E então, feito aparição tremeluzindo no meio do nada, deram de cara com um Papai Noel parado sob o sol a pino, badalando sua sineta.
_ Um Papai Noel no deserto – balbuciou Dylan, franzindo os olhos dolorosamente azuis por detrás dos indefectíveis óculos negros. –Meu Deus, o que pode ser mais desalentador?
Em dezembro de 2017, em Abu Dhabi, onde fui acompanhar meu querido time, vivenciei a mesma e perturbadora sensação que assaltou Dylan na periferia da Cidade dos Anjos. Ao final de uma estreita esquina, após a qual brotava o deserto, sob a sombra das torres do fausto e da ostentação, feitas de aço, vidro e desperdício, marchava um acabrunhado Papai Noel. Lembrei então da frase de Bob e ruminei comigo: "O que pode ser mais desalentador do que um Papai Noel no deserto?".
Agora já sei a resposta. Trasanteontem (sempre quis usar essa palavra), parado junto a um muro carcomido pelo sol, a gotejar o lento suor de seus tijolos, em plena Avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre, havia um Papai Noel. Exibia o traje puído, a barba postiça mal enjambrada e o saco cheio. Mas o calendário apontava 22 de outubro. Papais Noéis em outubro já não causam surpresa ou fúria. Mas a inquietação aumentou quando vi a minha, a sua, a nossa Zero Hora estampar em seu caderno Viagem: "Já é dezembro".
Não! Não é dezembro, uivo eu. Faltam 37 dias para dezembro – e dois meses até o Natal!
Vem cá, de boa, não bastasse tudo o que já foi sugado e conspurcado do Natal, ainda teremos que presenciar sua morte anunciada numa eterna eja... ops, celebração precoce? Mas já sei o que farei: vou convidar o Noel da Cristóvão para homenagear os mortos no Dia de Finados. Ou então curtir adoidado o Dia das Bruxas. Pelo menos esses são já na semana que vem.