Vincent van Gogh morreu na amargura e no anonimato, aos 37 anos, por obra de um balaço furtivo que lhe trespassou o peito em meio ao trigal descabelado pelo vento, enquanto os corvos batiam asas a grasnar: “Nunca mais, nunca mais”. Mas, 129 anos depois da última pincelada, Vincent vive na forma de pôsteres e postais; de bonecos e bonecas e chaveiros; de canecas e canetas e carteiras, camisetas, calendários e casacos; de bandejas e bandeiras. E, numa afronta final, na forma de uma “carteira especial” para clientes VIP de um banco que já disse que poderia me ajudar.
Mas mais do que em mercadorias e merchandising, Van Gogh vive em meio aos murmúrios do público que zumbe e zanza, e se aglomera e se acotovela, em frente aos seus quadros, na penumbra respeitosa – mas quase sempre conspurcada pela balbúrdia – no interior do Museu Van Gogh, em Amsterdã. Inaugurado em 1973, o museu recebe cerca de 2,5 milhões de visitantes ao ano – o que o torna um dos cinco museus mais visitados do mundo (e o único dedicado a um só artista). O Twitter “de” Van Gogh tem 14 milhões de seguidores e turistas de 125 países estiveram no museu no ano passado, sendo que o número de chineses e sul-coreanos duplicou.
E então, misturado à multidão anônima, cara a cara com Van Gogh – aqueles olhos vítreos, a barba rude e ruiva, o tosco chapéu de palha, o cachimbo pendente, o nariz agudo e... a orelha faltante –, você sente a cabeça girar e já não sabe se a sensação vem das pinceladas indomáveis que cercam o rosto do artista maldito ou se é fruto de suas reflexões sobre os caminhos da arte e do dinheiro, muitas vezes divergentes, noutras nem tanto. E você pensa sobre quem, entre os que estão ali cumprindo uma espécie de dever turístico, de fato merecia contemplar a obra que foi fruto de tanta dor e tanta devoção. E então ouve, em bom português, uma menina se virar para a amiga e, em frente a um dos autorretratos de Van Gogh, dizer: “Ah, ele pintava a ele mesmo, é? E isso que nem era tão bonito assim...”. E os corvos grasnam: “Never more, never more”.
•••
O que Joaquim Nabuco, Oswaldo Aranha, Walter Moreira Salles e Roberto Campos têm em comum, além do brilhantismo e do fato de terem sido embaixadores do Brasil nos EUA? Bom, nenhum deles fritava hambúrgueres. E nenhum foi elogiado pelo sujeito sexista, racista e dono de patética cabeleira cenoura que agora preside a maior democracia do mundo.