Dê uma olhada na tabela de classificação do Brasileirão. O Grêmio, salvo reversão de expectativa que o presente não sugere, vai mesmo suar sangue até o fim. Um quarto rebaixamento seria uma mancha dura de explicar e de efeitos imprevisíveis para o clube enquanto marca.
O Inter está só um pouco melhor. A estreia de Roger Machado deve produzir algum ganho imediato em termos de remobilização, mas não dá para cobrar arrancada fulminante de um técnico que pegou um bonde andando e avariado por traumas recentes.
Não se pode excluir que também o Colorado habite as fronteiras do Z-4 ou até entre nele. Não digo que ambos caiam. Não falo nem que o Tricolor feche dezembro tomado pela areia movediça.
O fato é que, título além Mampituba, só com muita ajuda do "Sobrenatural de Almeida" mesmo nas Copas, onde o formulismo dá aquela ajuda básica para reduzir a diferença entre os melhores e os piores. Enquanto isso, forças que nós, gaúchos, antes víamos como algumas prateleiras abaixo, agora riem de nós lá no topo.
Falo de Botafogo, Vasco, Bahia e Bragantino. O que eles têm em comum? Sim, você acertou. São SAF. Têm dono. Numa hipotética campanha de título, colorados e gremistas cravavam três pontos nesses confrontos para o pulo do gato se dar nas peleias contra os "grandes". Agora são eles, antes estacionados no escalão médio, incomodando mas não assustando, a fazerem isso com Inter e Grêmio. É a realidade.
Um ano de investimento pesado é bem diferente de dois, três, quatro. Lá na frente, esse efeito cumulativo faz diferença. A enchente talvez atenue o debate das SAFs aqui na Província de São Pedro.
Investimentos
O Grêmio vêm de um vice brasileiro com Suárez. O Inter foi capaz de produzir investimentos pesados para formar um esquadrão em 2024. Ainda não ganhou, mas teve fôlego para gastar. Conseguirá repetir ano após ano sem se afundar em dívidas, por melhor que seja a reengenharia?
John Textor vai lá e deposita para o Botafogo R$ 100 milhões em 2022, R$ 102,2 milhões em 2023 e R$ 113,9 milhões em 2024. Em 2025, no mínimo mais R$ 50 milhões. Isso sem falar nos reforços. O atacante argentino Thiago Almada, 23 anos, custou R$ 137 milhões.
O Cruzeiro, de dono novo, Pedro Lourenço, ricaço do ramo dos supermercados, torrou R$ 200 milhões em sete reforços. O Grupo City anunciou que pretende fazer do Bahia uma potência sul-americana.
Se até Textor já está com medo do Bahia, dando a entender que não poderá competir com os eurodólares dos Emirados Árabes e suas reservas de ouro negro por mais alguns séculos, chegando a pedir fair play financeiro, imaginem Grêmio e Inter.
Exemplo do passado
O futebol gaúcho enfrentou com sucesso cenários assim ao longo das décadas. Cariocas e paulistas, especialmente, sempre conseguiram produzir, mesmo que esporadicamente, projetos regados à muito dinheiro: Palmeiras Parmalat, Corinthians MSI, Fluminense Unimed, Vasco Nations Bank.
Inter e Grêmio os enfrentavam formando craques na base, gestão melhor e garimpagem de jogadores bons e baratos. Uma contratação fora da curva aqui e ali, mas a regra nunca foi essa.
O drama é que esse modelo se mostra insuficiente para combater a avalanche de dinheiro que agora chega também aos clubes médios. Grêmio e Inter terão de encontrar solução. Se não se capitalizarem rapidamente, há risco de repetição do cenário pós-enchente, com ambos na segunda página da tabela.
A catástrofe climática explica boa parte dos resultados desse ano, mas não podemos nos enganar. O cerco está se fechando.
Esse cenário de resistência gaúcha às SAFs — no qual me incluo — diminuirá gradualmente se Inter e Grêmio continuarem vendo ex-presas fáceis sempre na frente.
O império do resultado é implacável. Alguém lembrará de Palmeiras e Flamengo, entidades associativas tradicionais que têm poder de investimento. São as maiores receitas da Série A.
Grêmio e Inter teriam condições, no mercado gaúcho, organizados como estão, de chegar a este padrão sem SAF?
Temo que não. Vou além. Mesmo Flamengo e Palmeiras, antes soberanos, começam a debater ideias da SAF à medida que veem os outros impondo mais resistência. A derrota do Palmeiras para o Botafogo, esta semana, é um sinal.
O Fortaleza se reinventou via modelo associativo, mas já trabalha o sistema de ventures. Não está escrito na lei que o único jeito de virar SAF é entregar anéis e dedos, vendendo 100% das ações.
Ah, mas é sonho um investidor despejar dinheiro e abrir mão da palavra final, se o prejuízo será dele. Mas não seria bom negócio se associar a Flamengo e Palmeiras, cujas estruturais atuais são comprovadamente vencedoras e rentáveis?
É como celular e telefone fixo. Computador e máquina de escrever. Antes e depois da internet. Você pode resistir no início, mas será engolido se não aceitar. Vai acontecer com Grêmio e Inter. Resta saber quando e como, sem ferir o orgulho gaúcho do "meu time não tem dono".