Dois ídolos da Seleção Brasileira, ricos, famosos, poderosos e com amigos influentes não serão mais lembrados pelo conto de fadas do menino pobre que ascende através do talento com a bola no pé, e sim por serem estupradores.
No caso de Robinho, com sentença irrecorrível na Itália, após condenações com amplo direito de defesa em três instâncias, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que sim, ele pode cumprir aqui a pena de nove anos pelo crime de estupro coletivo cometido contra uma jovem albanesa, mesmo sem tratado de extradição entre os dois países.
A defesa do ex-jogador ainda deu uma esperneada, indo ao STF com um pedido de habeas-corpus preventivo, logo após a decisão do STJ, mas o ministro Luiz Fux negou. O resto você já sabe: seu novo endereço é a Penitenciária do Tremembé, em São Paulo. Vai pedalar no time da cadeia.
Daniel Alves, em cana há um ano e um mês, ganhou o direito à liberdade provisória desde que pague fiança de 1,5 milhão de euros, mesmo condenado por agressão sexual a uma mulher de 23 anos, em Barcelona. Cabe recurso, mas a Justiça tinha medo que ele fugisse para outro país, tal a consistência das provas de acusação e a fragilidade da defesa de Daniel. Por isso ele ficou detido.
A multa de R$ 800 mil bancada pelo pai de Neymar, que ajudou na redução da pena, é um escárnio legal. Como assim, preço em um crime bárbaro como estupro? Já fiança não é multa. Não abate tempo da sentença. Esse valor, se for pago, será devolvido quando acabarem os recursos. É um jeito de reduzir a chance de um acusado passar mais tempo preso preventivamente do que cumprindo a pena de fato. Tudo bem, mas era aplicável no Caso Daniel Alves, diante de tantas evidências?
Silenciar é ser cúmplice
Você deve estar se perguntando aonde quero chegar. E qual a razão de descer tão amiúde no "juridiquês", inclusive com risco de resvalar numa área complexa. É porque nem assim, com todos os detalhes acima, os jogadores brasileiros falam no assunto. É diferente de não se pronunciar quando há acusação ainda sem investigação, mesmo que em mais de 90% dos casos a verdade esteja do lado da vítima.
Episódios como aquele em que Neymar foi falsamente acusado de agressão por uma mulher após encontro em um hotel em Paris (um vídeo mostrou o inverso, inclusive), são exceções. Agora, não. Agora tem áudio. Tem sêmen. Há provas de tudo quanto é jeito. São quatro sentenças, três de Robinho e uma de Daniel. Mesmo assim, reina um silêncio constrangedor, tisnando a cumplicidade.
O futebol brasileiro é machista
A manifestação de Danilo não vale. O capitão da Seleção só falou depois que Leila Pereira, chefe da delegação durante os amistosos na Inglaterra, colocou a boca no trombone. Aí seria o cúmulo não falar nada. Robinho está condenado há meses. Daniel está preso há mais de um ano. O problema todo, grave problema, é que o futebol brasileiro é machista. Não está preparado para esse novo cenário. A lógica reinante é a ultrapassada.
O ex-Saci disse na Polícia que era só o trabalho dele, uma brincadeirinha, agarrar e roubar um beijo sem consentimento. Não duvido que os jogadores tenham medo de pagar de "Joãozinho do passo certo com medo da imprensa". Ou, pior ainda: concordarem que é tudo exagero, que não se pode mais nem dar nem cima de uma mulher e aquelas narrativas afins. Danilo falou com atraso, mas roçou na única solução possível: educação.
O papel dos clubes
Os clubes exercerão papel fundamental. Precisam entrar firme nas categorias de base com campanhas educativas contra a cultura do estupro. A maioria passa mais treinando e viajando, correndo atrás do primeiro contrato profissional, do que na escola ou em casa. As baladas chegam até eles cada vez mais cedo — e o dinheiro, também. Qual a diferença entre importunação, agressão e estupro? O que diz a lei? O que mudou, no Brasil e no mundo.
Exames de casos, papos com advogados e advogadas, linguagem, cartilhas, palestras, convênios com entidades que tratam do tema. As condenações de Robinho e Daniel Alves são demarcatórias. Os clubes precisam entrar de sola na origem. Há um muro do silêncio para quebrar. Não só mandando frases prontas e peças publicitárias, mas com ações educativas fortes. Do contrário, nada mudará. E novos Robinhos e Daniéis surgirão.