Apesar do susto, lá vem eles. No domingo (18), os franceses tentarão repetir o que só Itália, ainda na alvorada do século passado, e Brasil conseguiram. Vencer duas Copas seguidas é muito difícil. Tanto que isso não acontece há 60 anos, desde a geração de Pelé, o maior de todos. Quando a Itália foi bicampeã, em 1934 e 1938, o futebol ainda engatinhava. Era mais fácil. O nobre esporte bretão ainda não se popularizara mundo afora. Hoje, tal façanha vai do impossível ao improvável. Mas a França de Mbappé, campeã em 2018, conseguiu.
A França decidirá a Copa do Mundo contra a Argentina, numa final com muitas toneladas de peso, ambas em busca do terceiro título. Só que, dizendo assim, parece que foi simples passar pelo Marrocos. Parece que a França fez 2 a 0 bocejando, na camisa, ao natural. Nada disso. Sofreu, e muito. A certa altura do segundo tempo, e foi na minha frente, não muito distante de onde comentei o jogo na transmissão da Rádio Gaúcha, uma cena que ajuda muito a explicar essa partida fascinante, cheia matizes geopolíticos para contar.
A pressão marroquina, que perdia por 1 a 0 desde os cinco minutos, gol de Theo Hernández, era terrível. Mais no coração e na garra, ganhando todas as divididas, os leões vermelhos buscavam o empate, como se possuídos estivessem por Alá. De repente, o que acontece? Mbappé, a estrela da Cia, o craque, o camisa 10, o artista, Kylian Mbappé cai. E fica no chão. Sim, ele CATIMBOU. Apelou. Era o único jeito de respirar naquele momento. A França é muito melhor, mas a bravura marroquina, empurrada por uma torcida árabe enlouquecida, equilibrou o jogo.
O gol logo cedo não abalou Marrocos, que acionou o plano B. Em vez de retranca e contra-ataque, tirou o zagueiro Saiss em nome de um atacante. E foi para cima. Teve a bola, primeiro ameaçou com lances aéreos e, no segundo tempo, arriscou-se a tomar Mbappé nas costas com a dobradinha Hakimi e Zyech. Aí criou com bola no chão também. Faltou, para Marrocos, o que sobra a França: poder de finalização e frieza. O jogo terminou com 60% de posse de Marrocos. A França optou pelo contra-ataque, sem vergonha alguma. E se deu bem.
O técnico Didier Deschamps tira Giroud e põe Thuram. Opta por mais velocidade no contra-ataque. Desloca Mbappé para o meio, como centroavante, para segurar os zagueiros marroquinos que avançavam. Depois saca Démbelé em nome de Muani, aposta sua. Quem faz o gol salvador? Muani. Para se defender melhor, mais atacantes em vez de defensores. Funcionou. A França saiu de trás e matou o jogo. Nos dois gols, Mbappé decidiu mesmo sem fazer gol. Três o marcavam, sobrando espaço para Theo Hernández e Muani.
Apesar da valentia árabe, analisando com a frieza dos números, a França poderia ter feito mais, no contra-ataque. Ao fim e ao cabo, ficou bom para todos. Marrocos fez história e produziu cenas lindas. Tipo torcedores celebrando, apesar da derrota, e recebendo como resposta seus jogadores ajoelhados, cabeças tocando a grama, em agradecimento. A França faz uma Copa coletiva e sólida. Mbappé decide de um jeito ou de outro. Os reservas jogam tão bem quanto os titulares lesionados, caso do zagueiro Konate no lugar de Upamecano. E do fantástico Tchouameni em vez de Pogba ou Kanté.
Por fim, para o futebol, é a final dos deuses. Tango e Marselhesa. Dois grandes campeões, Argentina e França, com camisas 10 de outro mundo, Messi passando o bastão de Rei para seu amigo Mbappé.
Ficou bem assim.
Obrigado, futebol.