O Rodrigo Oliveira, sempre alerta repórter da Rádio Gaúcha, foi à entrevista do presidente da Fifa, Gianni Infantino, aqui em Doha, neste sábado (19). O italiano que sucedeu as gestões corruptas da entidade falou de muitos assuntos, mas insistiu em um especialmente, segundo o Rodrigo: a repentina proibição da venda de bebidas alcoólicas dentro e nos arredores dos oito estádios da Copa. Repetiu que tudo foi feito em comum acordo, como se a monarquia absolutista do Catar e a cúpula da Fifa tivessem se abraçado após o veredito. Papo furado. Não teve nada de pacífico. O Catar deu um golpe.
A Fifa é orgulhosa de seu poder. Os executivos de Genebra são tratados como Chefes de Estado quando viajam. Lembro da paparicação do Palácio Piratini quando eles visitaram Porto Alegre, antes da Copa de 2014. Ganharam presentes do Governo Estadual. Houve churrasco na ala residencial. Levaram-nos à Expointer, porque um deles era criador de gado. Todos querem sediar uma Copa. Os célebres cadernos de encargos, cheios de exigências, não respeitam as leis de cada país pretendente. É pegar o largar. Sempre foi assim. Até o Catar.
Os sheiks cataris urdiram durante quatro anos esse golpe ao custo de milhões de euros, comprando mais e mais cotas de patrocínio. Deixaram-no para a última hora, quando não havia mais margem de manobra. Até os acréscimos do segundo o tempo, a Fifa tentou dar um jeito. Após muitas conversas, a solução intermediária foi dificultar, mas não proibir totalmente: permissão começando três horas antes e uma depois, com espaços específicos para os que exagerassem na dose curassem o porre. Só que a Fifa não contava com a fogueira das vaidades entre os países do Mundo Árabe.
Há uma disputa entre os países árabes. Quem tem mais poder? Quem é mais rico? Quem defende com mais galhardia a cultura muçulmana contra a vilania do Ocidente, ao mesmo tempo que estende tentáculos sobre a Europa através de negócios e mercado financeiro? Estava pegando mal entre os sheiks de todo o deserto a "subserviência" catari. A questão do álcool é central para os muçulmanos. Não é algo para se negociar. Então, além de tudo o que foi gasto para ser sede, boa parte de forma suspeita, ainda permitem que Doha vire uma Sodoma e Gomorra?
Só em patrocínios de última hora, estatais cataris (Qatar Airways, aviação), Qatar Energy (petrolífera), The Look Company (agência de publicidade), Ooredoo (telecomunicações), Qatar National Bank (Banco Central) e Gulf Warehouse Company (Seguradora) despejaram US$ 134 milhões nos cofres da Fifa. O Catar deixou a cúpula de Genebra acreditar que seria capaz de tudo para receber a Copa, inclusive aceitar as bebidas da Budweiser, tradicional parceira master da Fifa. Na última hora, quando não havia tempo para mais nada, deu o golpe.
A Fifa nunca se preocupou em organizar Copa do Mundo em países sob ditadura, denunciados por violações de toda espécie. Em 1934, foi a Itália fascista de Mussolini. Em 1978, a Argentina militar. Em 2018, a Rússia autoritária de Vladimir Putin, que agora mata semeia a morte na Ucrânia. No Catar, a Fifa prova do seu veneno. Bem, eles que se entendam. Não há santo nessa história. É mais do que futebol, mas com um viés nada edificante.
TUDO PELAS TATUAGENS
Temo pelas tatuagens do Rodrigo Adams, que nos desperta todas as manhãs na Rádio Atlântida. Ele fez umas novas. Só que elas não podem pegar sol, e sol é o que não falta no Catar. O Rodrigo sua pelas ruas com um manguito de neopreme, que sobe do punho ao cotovelo. Parece um tenista. É tão importante para o Rodrigo salvar as tatuagens de microfone, faca, lenha e o fogo do assado que ele trouxe dois manguitos. Usa um, lava o outro. Planejamento é tudo.
A FEIÚRA DE WEST BAY
O governo do Catar cobra por banho de mar. Mergulho em uma praia pública – a maioria delas é privada, restrita aos hotéis de luxo – custa US$ 3. Se ficar só na areia sai de graça, para mostrar como a realeza é flexível. Há fiscais. Dinheiro não é problema em um país capaz de construir uma cidade para receber o futurista Estádio Lusail, onde a Seleção estreia contra a Sérvia. O objetivo está na cara: impedir imigrantes – o trabalho braçal é feito por indianos, paquistaneses, filipinos – de encherem as areias de West Bay. Bem triste.
O PAPEL NO VASO
Sempre ouvi de minha mãe, Dona Joanna D'Arc (sim, eu nasci e cresci na casa da mãe Joanna), que não se deve jogar papel no vaso — sanitário, no caso. No Catar, não há lixinhos para nossas sujeiras. A ordem é jogar na água. Nos banheiros chiques, senta-se ao trono e, na hora de levantar, uma descarga com barulho de reator é acionada por um sensor. Acabaram-se as utopias.