Então enviaram para o filho pequeno de Edenilson um vídeo no qual adolescentes empunham uma arma (de brinquedo, soube-se depois) ameaçando seu pai de morte caso o jogador do Inter não voltasse a jogar bem na visão deles. Os pais, quando entenderam a dimensão perigosa do episódio no ambiente de ódio em atividade não só no futebol, mas também no futebol, levaram os filhos à delegacia de Santana do Livramento. Lá, os guris relataram a história de sempre.
O vídeo foi distribuído em um grupo privado de mensagens, de brincadeira, mas alguém vazou as imagens até o filho de Edenilson. É um episódio com muitas pontas a analisar. Uma única é positiva. As outras são de arrepiar os cabelos e assustam mais e mais.
A boa nova foi a atitude dos pais. Eles poderiam colocar panos quentes, mas agiram. Em vez de passar pano para os filhos que cometeram um erro, levaram-nos à delegacia para admitir a falha, pedir desculpas e até entrar em contato com Edenilson, se for o caso. Se o meia do Inter registrar ocorrência, um processo será aberto.
Os infratores são menores, mas isso não significa dizer que está tudo certo se ficar por isso mesmo, tanto que os próprios pais os conduziram até a autoridade policial. Suponho que aceitem em algum tipo de sanção educativa legal, para além da que eles mesmos, e isso merece elogios de pé, já impuseram aos filhos expondo tudo às claras e indo até a delegacia. Mas o lado bom termina aí.
A linguagem e abordagem são as mesmas que os integrantes de organizadas andam usando para constranger jogadores e técnicos nos aeroportos, redes sociais e CTs após resultados ruins de seus times. A lógica é a do terror, o fascismo em essência. Insultos, gíria de criminalidade, imposição pela força, intimidação pelo medo.
Há casos de agressão explícita, como a do goleiro Danilo Fernandes, alvo involuntário de bomba jogada pela torcida do Bahia, que lhe cortou o rosto e quase o cegou. O episódio sobre Edenilson dialoga com certo tom de admiração por esses métodos. Jovens gastam boa parte do seu tempo navegando e vendo vídeos nas redes sociais. Por algum motivo, eles não foram impactados pelas críticas a este tipo de conduta.
Ou as razões pelas quais se deve condenar esse tipo de prática não chegaram até os adolescentes pelas redes sociais. Também pode ser. O algoritmo que inunda de imagens e vídeos nossa timeline não trabalha com ética. Não se pode demonizar os infratores. A adolescência é a época das besteiras inconsequentes. Mas a Polícia tem de investigar o caso em si.
Quem vazou, sem medir consequências de uma ameaça de morte? Pior, e se justamente por saber delas endereçou o vídeo ao jogador? São a mesma pessoa, a do vazamento e a que fez chegar a família do selecionável colorado? Quem compartilhou? Como descobriram um jeito de mandar para o filho de Edenilson? Seguir essa linha pode desenrolar um novelo. Ou não. Mas tem de ir atrás.
O mais grave, e para mim isso é muito óbvio, é ver que o Brasil a cada dia se torna um terreno fértil para esse tipo de "brincadeira" com arma de fogo. No meu tempo, que não era melhor ou pior ao de agora, mas diferente, isso sim, não lembro de meus amigos e eu, ainda que desmiolados por força da idade, imediatamente pensar em misturar arma de fogo e ameaça de morte a um jogador do seu time. Eu tocava na campainha dos prédios e saía correndo. Andava de bicicleta na avenida sem as mãos no guidão.
Arminha de brinquedo, só quando era criança. Depois, adolescente, não mais. Menos ainda réplica de uma original de verdade e gravando vídeo, que os adolescentes de hoje sabem que o vazamento é uma realidade bem comum neste universo.
O Brasil vive uma legitimação política dessa prática e desse discurso. Um exemplo é a defesa da liberação do porte de armas. Nem o crescimento de tragédias nos EUA, onde a venda é permitida em muitos estados, arrefece o ímpeto. Lá, o número de malucos com acesso a armas que saem atirando e matando em escolas cresce.
Aqui, há quem defenda o uso da Lei Rouanet para publicar livros sobre a história das armas, como se fosse um tema bacana e cultural para ser financiado pelo Estado. Como se armar uma população sem treinamento profissional fosse resolver a criminalidade, em vez de produzir mortes de inocentes. É um tipo de comportamento, o da imposição pela força física e intimidação, que saiu do armário.
Quem tinha vergonha de ser assim, agora não tem mais. Há aceitação. Essa lógica violenta, verbal e física, repetida a cada dia na enxurrada de informações das redes sociais, vai tornando aceitável o que antes era barbárie. A grosseria já não é mais tão falta de educação assim. Um cancelamento com linchamento moral no Twitter? Faz parte.
Canal no YouTube agredindo ou fazendo circo com piadas humilhando as pessoas dá seguidores e dinheiro. Desse universo para o vídeo com arma de brinquedo que parecia de verdade ameaçando matar jogador, sem pensar em como isso poderia estimular o ato em si, é um pulo.
O caso Edenilson é só a parte visível do iceberg. Um gigantesco e sólido iceberg.