Já contei essa história antes, mas talvez não com este viés sob medida para o Inter deste fim de semana em que o título brasileiro pode se desenhar em vermelho ou rubro-negro antes mesmo do confronto fatídico da penúltima rodada. Na Copa de 1998, a tensão brotava na Seleção Brasileira. Além da responsabilidade de defender o tetra conquistado quatro anos antes, caldeirão era refresco para definir os rolos da preparação.
Coordenador técnico, Zico foi incumbido de avisar Romário de que ele estava cortado. Zagallo e os médicos defendiam sua a permanência para os mata-matas, mas o Galinho queria todos 100% e sua opinião prevaleceu. Uma decepção planetária. O mundo queria ver, juntos, Romário e Ronaldo, este com 21 anos e já apelidado de fenômeno pelos italianos. Eu mesmo, quando cheguei à França, levei um susto.
Nos outdoors de Paris e nos pôsteres dos metrôs, sem falar nos estádios, só dava os dois. Desacreditada pela imprensa, ninguém apostava um franco na França. Zidane só virou mito depois. Reserva do veterano Bebeto, Edmundo disse publicamente que vivia fase técnica e física melhor. Teve de pedir desculpas no vestiário.
Cheio de estrelas — Rivaldo, Taffarel, Cafu, Ronaldo, Roberto Carlos — a Seleção era favoritíssima. Não se esperava nada que não fosse uma vitória atrás da outra, com show. Jornais europeus, além dos correspondentes de praxe, enviavam setoristas específicos de Ronaldo e Rivaldo. Cada treino da Seleção, sem exagero, tinha uns 200 jornalistas. A pressão era absurda. A maioria dos jogadores sentiu, porque eles seriam alienados completos se ignorassem tudo. E, como se sabe, o emocional trava a lucidez que comanda mente e músculos.
É uma grande falácia dizer que esportistas de alto nível não "sentem a pressão", como se diz no jargão atenuado para "amarelar". Todos amarelam um tanto. A questão é como lidar com isso. O medo, por exemplo. É uma ferramenta poderosa da Humanidade.
O medo de uma nova pandemia fará os países e a Ciência se prepararem melhor para o próximo vírus. Não quero perder o meu medo de altura. Nem de atravessar a rua fora da faixa de segurança. Assim, sinto-me mais protegido e próximo de uma vida longeva como a de meus avós.
O problema é como lidar com o medo sem transformar a vida numa chatice. A Seleção de 1998 achou um jeito, ao menos até aquele ataque epilético de Ronaldo na noite anterior à final colocar tudo a perder. No começo dos jogos, Dunga cantava o passe seguinte, dando o nome de quem deveria receber a bola.
As posições de imprensa nos estádios franceses eram sempre as mesmas. Dei sorte de ficar bem pertinho do campo. Dava para ouvir tudo. Era como se eu estivesse ali dentro. Então o grande Rivaldo, o rei do passe, seguia o roteiro erro zero ditado pelo capitão no início das partidas. Talvez Dunga não fizesse isso com todos, imagino, mas juro que vi e ouvi, ele e seus nervos de aço, agindo como uma espécie de narrador a tomar as decisões iniciais de seus companheiros, até eles se soltarem e resolverem sozinhos.
Até hoje me impressiono com essa incrível capacidade de liderança exercida por Dunga. Daquele time, só Giovanni, ex-Santos e Barcelona, deu mandrake total. De candidato a condutor do meio-campo, sumiu nos primeiros 45 minutos da estreia contra a Escócia. Foi substituído por Leonardo e arquivado por Zagallo. Há inúmeros casos de craques que não passaram de homens comuns neste ou naquele jogo.
Baggio era um exímio cobrador de pênaltis, mas isolou a bola na decisão de 1994 como se fosse um reles Uendel ou Luan pós-2017. Medo e pressão são sentimentos humanos. O que o Inter deve fazer, portanto, para que os mesmos responsáveis por nove vitórias seguidas, uma delas um 5 a 1 no São Paulo, não tisnem suas tomadas de decisão na reta final, como Lomba (se acontece com os top, imagine com os médios) ao dar uma de árbitro contra o Sport, fazendo a defesa parar e decretando a derrota que ressuscitou o Flamengo?
Primeiro, olhar a trajetória recente. Dado como morto várias vezes, o Inter reergueu-se nos momentos improváveis entre lesões graves, a deserção de Coudet, uma troca de presidente e até a covid-19 de Abel. Pensando bem, só com milagre da Santíssima Trindade para não ocorrer um episódio como o de quarta-feira, emendando um turno inteiro de vitórias.
Será preciso redobrar a atenção, inclusive arremesso lateral. Que todos incorporem um pouco do espírito do jovem Caio Vidal. Ele sempre acredita loucamente que pode driblar três. Numa dessas, ele consegue, mas essa chance só existe para quem tenta. Se um esperar pelo outro, como quarta-feira, o Inter morrerá já neste fim de semana. Por fim, se Abel não substituir Praxedes, que cadencia e acelera o jogo por baixo como poucos, a probabilidade de vencer aumenta.
Se o Inter está pressionado, imagine o Vasco à beira do quarto rebaixamento. Só que é preciso lidar com tudo isso isso agindo, e não passivamente. Um dos pecados dos cancheiros diante do Sport foi tentar mostrar que estavam calmos e seguros, ao ponto de parar um lance sem autorização do árbitro. Ninguém vira diplomata da ONU na hora de ganhar ou perder um Brasileirão. Não há vergonha em sentir medo de falhar. O medo pode ser um bom guia. O segredo é como lidar com esse turbilhão de emoções sem ter vergonha.
Se souber, o Inter ainda pode sonhar com o título.
Mas só se souber.