Na condição de estrela do líder do campeonato, ele é o assunto deste primeiro terço de Brasileirão. Por dois motivos. O primeiro, obviamente, é o campo. É o goleador, com oito gols. Além do faro de centroavante mesmo sem ser centroavante (começou como volante e foi avançando: houve quem o escalasse na zaga, inclusive), o que mais dizer de um homem de ataque que, quando não faz gols, serve os companheiros e corre para o abraço?
Por fim, ele ajuda a iniciar o processo defensivo lá na frente. É um dos conceitos pétreos do técnico Eduardo Coudet. A defesa começa no ataque, e este se beneficiará de zagueiros que saibam construir uma ideia ofensiva. Só que nem todos os atacantes gostam de correr atrás do goleiro e dos zagueirões adversários. Thiago Galhardo, parece decidido a manter as tarefas operárias para o time. No que faz bem. Se há alguém beneficiado por essa disciplina tática é justamente ele, como se viu na roubada de bola de Boschilia que resultou em um de seus dois gols contra o Ceará.
Galhardo flutua por trás dos volantes, é inteligente para ocupar espaços entre as linhas, toca de primeira sempre que possível para acelerar o lance e, por fim, assume com humildade responsabilidades defensivas. Mas há um segundo e definitivo motivo para explicar essa curiosidade nacional pelo atacante trazido pelo Inter sem alarde do Ceará. É que ele não é guri. Tem 31 anos.
O auge costuma vir mais cedo, não raro na alvorada dos 20 e poucos anos. Por essa lógica conservadora, Thiago seria "velho". Suspeito que nunca ninguém se preocupou em ir atrás das boas histórias de Galhardo por isso. O piloto automático é sempre pelo moleque imberbe da base. Quem não explodiu até os 25 anos é esquecido e tratado como tio ou até avó. Daí a curiosidade. Você já deve ter percebido. É só zapear os canais de esporte da TV.
Galhardo está em todos os lugares. São boas entrevistas, que se valem da sua empatia e facilidade de se comunicar. Reportagens. Estatísticas. Frases polêmicas. Amigos do passado contando histórias. Até a banda de reggae do irmão ganhou fama. Chama-se Ponto de Equilíbrio. O que atrai na trajetória do astro improvável do Inter é aquela ideia do brasileiro que não desiste. Que persegue um sonho até o fim, mesmo quando a prudência indique o contrário. Sua trajetória é pontuada de momentos assim.
Como quando passou em um concurso para a Petrobrás. O futuro na bola parecia condenado a morrer na casca, e o salário era convidativo. Algo em torno de R$ 8 mil ou algo assim, trazendo valores de 2008 para cá. Imagine partir desses valores em qualquer profissão, aos 18 anos? Pois Galhardo recusou. Por aqueles dias, ele passou em um teste no Bangu. E agora? O que fazer, sabendo que nunca seria um supercraque e que ganhar a vida como jogador, pela sua formação, não era a única maneira de ter uma vida tranquila?
Ainda bem que as mães existem para nunca desistirem dos nossos sonhos, mesmo que isso implique em arriscar os seus. Mãe e filho se mudaram para um apartamento pequeno e, juntos, lutaram. Com o que construiu na carreira, Galhardo pagou os estudos para ela tornar-se advogada. Só a partir do Vasco, em 2018, quase trintão, começam suas experiências nos times de ponta. Posso estar enganado, mas parte da emoção a cada gol pelo Inter, assim como aprender a linguagem de libras para dedicar a uma colorada surda-muda, decorre dessa sensação de que valeu a pena acreditar.
Por que ir até o fim, com tantos riscos? A resposta é: para fazer o que gosta e ser feliz.
Aqui, um parêntese. O primeiro lugar como única medida do sucesso, sem contextualizar nada, é uma regra preconceituosa e maniqueísta do futebol. Não é assim nos outros esportes. A NBA eterniza astros que nunca venceram uma edição sequer. O técnico só presta se for campeão, como se os outros 19, no Brasileirão, fossem perdedores condenados ao suicídio. No caso dos jogadores, não é muito diferente. Fecha parêntese.
Alcançar momento tão especial aos 31 anos, em um ambiente que desestimula esforços como o de Galhardo, é inspirador para qualquer área de atuação. A juvenilização de tudo, uma distorção alimentada pelo mercado consumista, beira o crime em um país que a cada dia aumenta sua média etária. A vida não se encerra em uma década, antes dos cabelos brancos brotarem. Esqueça os prazos do sistema.
Faça como Galhardo, um brasileiro que não desistiu do sonho de jogar bola. Siga em frente, honestamente, sem dever nada a ninguém. A recompensa virá, seja como estrela da campeonato ou na hora de encerrar a carreira aos 36 anos para ficar com os filhos, mesmo se o título não vier, como é o plano do novo ídolo colorado. O que importa é ser feliz e ajudar os outros a serem felizes.