Desde sexta-feira (31) estão disponíveis, através da plataforma de streaming Amazon Prime, os cinco episódios filmados da série Tudo ou Nada. Pela primeira vez, a CBF dá acesso exclusivo na concentração, vestiário e preleções de Tite para um projeto do gênero, dividido em capítulos de uma hora e com cara de documentário recheado de cenas inéditas. O enredo é a campanha vitoriosa da Seleção Brasileira na Copa América do ano passado, primeiro título da Era Tite. O filme, em um primeiro momento, fica disponível para mais de 200 países. A sessão première foi na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, com a pompa e circunstância devida, no melhor estilo de gala dos grandes lançamentos hollywoodianos.
Não darei spoiler, fique tranquilo. Não espere ver ali um conteúdo supercrítico. Se tem o aval da CBF, não seria uma série de denúncia de eventuais erros, mas isso não tira o mérito da iniciativa. Não há torcedor que não curta ver como funciona a rotina por trás das câmeras de seus ídolos. Everton, por exemplo, é protagonista. Sua imagem está nos telões publicitários da campanha mundial, o que por si só mostra sua relevância na Seleção. O cacife conquistado por seus dribles e a coragem de ir para cima dos marcadores fica clara na obra do diretor Felipe Briso, produzida pela Pitch Internacional e pela Big Bonsai.
O título de cada episódio dá o tom da superprodução, que teve o trabalho de sete produtores: Daniel Ramirez, Jon Owen, Jonathan Rogers, David Tryhorn e Gilberto Topczewski. O primeiro capítulo se chama "A obrigação de ganhar", na Granja Comary. O segundo — "Time que joga junto, reza junto" — aborda como a Seleção absorveu as vaias após a vitória nada convincente sobre a fraca Bolívia, na estreia, em São Paulo. O episódio três, auto-explicativo, foi batizado de "Heróis e Vilões". O penúltimo, "O Clássico", aborda a semifinal diante da Argentina de Messi, enquanto o epílogo "Corre para o abraço" trata da decisão no Maracanã, contra o Peru.
A série tem como meta aproximar o torcedor da Seleção. É fato: houve um tempo em que qualquer convocação, mesmo para amistosos irrelevantes, geravam discussões monumentais em todo o vasto território nacional. O Rio Grande do Sul — de colorados e gremistas — quase pegou em armas quando Claudio Coutinho preteriu o talento de Falcão pelo brucutu Chicão em 1978. O craque do Inter nem foi à Argentina. Em 1982 e 1986, Jô Soares fez história com o personagem Zé da Galera falando no orelhão com Telê Santana e cobrando uma escalação com dois ponteiros agudos. O bordão "Bota ponta!" ganhou as ruas. Depois da comoção pela ausência de Romário em 2002, por birra de Felipão, aos poucos a Seleção foi se distanciando dos brasileiros.
Quando tem jogo decisivo, os estádios lotam e tudo parece ser como nos velhos tempos. Mas é só aparência. O envolvimento, sem dúvida, caiu. Qual a última campanha nacional espontânea para este ou aquele jogador esquecido na lista do técnico de plantão? Identifico algumas razões. A primeira é o estrangeirismo. Tanto que o apelido pegou. Convencionou-se chamar os que atuam na Europa, e eles são maioria, de "estrangeiros". Um distanciamento já na origem. A torcida vê seus ídolos pela TV, nas ligas europeias. Mas e a maioria pobre, sem dinheiro para assinar pacotes fechados? Além da fase incrível, ajudou na construção do fenômeno Cebolinha o fato de ele estar à disposição a cada rodada do Brasileirão, pelo Grêmio.
Uma parte da culpa dessa relação morna é dos jogadores, em conjunto com a CBF. No passado, nossas estrelas jogavam como se disputassem um prato de comida mesmo se fosse contra o Arranca-Toco. Agora, não. O calendário apertado, as viagens longas, os salários astronômicos da Europa e as partidas caça-níqueis levadas para longe são encaradas com um misto de fardo e marra. Quem tem lugar cativo no grupo não está nem aí. Eles se preservam. Fica chato de ver. Só se arriscam quando vale ponto. Por fim, a Seleção só joga no Brasil quando é mandante nas Eliminatórias. Ou quando é país-sede, o que é raríssimo.
Até contra a Argentina o amistoso é na Arábia Saudita, por dinheiro. Se a Seleção só joga em casa de vez em quando, como criar uma relação com a torcida? O espírito de tudo ou nada é nobre. A iniciativa, válida. O documentário, bem feito. O episódio da acusação infundada de estupro contra Neymar é mencionado com honestidade, em vez de ser empurrado para baixo do tapete. Mas, para reviver aquele encantamento do povo pela Seleção será preciso mais do que uma série de TV. A paixão pela amarelinha, como diz o velho lobo Zagallo, ainda existe. Está hibernando. À espera de um time e, sobretudo, de atitudes dos dos cartolas que a despertem.