Minutos depois da notícia, eu estava no ar no Redação SporTV. A morte de Valdir Espinosa, neste mundo instantâneo, já corria o Brasil. O que é compreensível. Ele foi campeão mundial pelo Grêmio, em 1983. Tirou o Botafogo de 21 anos da fila estadual, em 1989. Se ganhar à frente da Estrela Solitária já é façanha, imagine de forma invicta e derrotando, na final, um Flamengo que tinha Jorginho, Aldair, Leonardo, Zinho, Bebeto, Zico e, sim, Renato, sua mais luminosa criação. Brilhou no Cerro Porteño. E no Japão, nos anos 1990. Em 2014, até voltou para o Esportivo, onde começou em sua vida de treinador, lá no crepúsculo dos anos 1970. Mas foi através do Grêmio e deste tambor de ressonância chamado Rio de Janeiro (treinou os quatro grandes) que Espinosa se tornou personagem do Brasil.
Normal que a notícia de sua morte se espalhasse com a velocidade e a força de um tuíte. Li a nota recém-escrita por Renato no ar e, em seguida, veio a imagem com a qual lembrarei dele. Espinosa não era do aperto de mão, mas do abraço. Se você estendia a mão, ele te trazia para perto. Talvez não agisse assim com estranhos completos, mas se o fazia comigo, que volta e meia topava com ele pelas coberturas da vida, entre entrevistas e papos em hotéis, estúdios e estádios, é óbvio que se tratava de uma pessoa de afetos, e não de reverências distantes. Nas vezes em que falamos, encerrava o papo do mesmo jeito:
— Quando tiveres tempo, vamos tomar um chope. Sou parceiro. Vamos falar de futebol!
Antes da volta ao Grêmio, ele na Rádio Globo, a conversa por telefone tinha um acréscimo:
— Quando vieres ao Rio, avisa! Sou parceiro...
Nunca o procurei para o tal chope por educação, seja na Calçada da Fama, aqui de Porto Alegre, ou em bar da Lapa, entre espíritos do samba carioca a nos inspirar. Claro que era apenas mais uma gentileza de um homem gentil. Espinosa batia papo sobre futebol com Carlos Alberto Torres e Zico. Daí para cima. Mas, observando agora o carinho de tanta gente simples no adeus, e recordando da sua militância no rádio, penso que talvez tenha sido um erro. Talvez o convite fosse de verdade.
E, nesse caso, é certo que perdi bons momentos de histórias e risadas. Além das reminiscências, a morte de um personagem do futebol gaúcho e brasileiro nos convida a tratar de uma questão na qual estamos muito atrasados. Trata-se da memória esportiva.
A gente esquece de tudo muito rapidamente...
Mauricio Noriega, não faz muito, escreveu um belo livro sobre Rivellino. João Máximo, o mestre dos mestres, com quem tive o prazer de compartilhar uma coletânea de reportagens de investigação assinada por vários autores, em 2010, já lutava pela perenidade da memória da bola nos anos 1960. O seu “Gigantes do Futebol Brasileiro”, lançado em 1965 com Marcos de Castro, desvelando o perfil de 13 craques lendários, depois reeditado em 2011 para incluir novos personagens (Ronaldo e Romário entre eles), é extraordinário. Ruy Castro, para resumir muitos em uma unanimidade. David Coimbra e Ruy Carlos Ostermann, que contribuíram decisivamente para as histórias Gre-Nal não se perderem na poeira do tempo.
A lista de autores é extensa, mas ainda não contempla a vastidão do futebol brasileiro. David Beckham, antes de se aposentar, já tinhas algumas biografias escritas sobre sua carreira. Quantas nós temos sobre Renato ou Falcão? Os clubes também poderiam fazer mais do que pagar encontros de ex-jogadores em datas efemérides de grandes conquistas. Evaristo de Macedo, 86 anos, recebe todos os anos, religiosamente, um presente personalizado do Barcelona.
O presidente do clube, seja qual for, envia para a sua casa, no Rio. Entre 1957 e 1962, Evaristo fez 105 gols em 151 jogos pelo Barça. Não faz muito, Tinga foi ovacionado pela torcida do Borussia, que cantou o seu nome na despedida do lateral-esquerdo Dede quando avistou a sua foto no telão. Cumpriu agenda de celebridade em Dortmund, com direito à sessão de fotos em shopping. No Brasil, não são poucos os que se aposentam sem nem um jogo de despedida.
A morte de Espinosa me fez pensar em tudo isso, e posso apostar que ele concordaria comigo, tivesse eu aceitado o convite para aquele chope.
Que terminaria com um abraço, porque Espinosa era do abraço, e não do aperto de mão.