Se você acompanha os noticiários esportivos, com certeza já deve ter ouvido que só o resultado interessa. Lá pelas tantas, seja qual for o debate, quando a impaciência em argumentar apertar, a vitória como solução de todos os males é sempre a carta na manga que simplifica tudo, do tiro de meta à diagonal curta, passando pelo modelo de jogo e as análises individuais.
Aqui com os meus butiás, que volta e meia caem dos bolsos aos borbotões: apelidei essa máxima de "império do resultado". Não por acaso. Os imperadores romanos, investidos de poderes divinos imaginários, tinham direito sobre vida e morte em nome da grandeza de Roma.
Foi assim durante séculos. É a cena clássica de Comodus, filho de Marcus Aurelius, com o polegar para cima ou para baixo na arena, decretando vida ou morte do gladiador derrotado, conforme avaliação própria das manifestações da plebe e dos escravos nas galerias. Nem é preciso entrar nas questões morais, como as relações incestuosas de Calígula e suas irmãs.
Ao fim e ao cabo, pensando em como se pede a cabeça do técnico derrotado, do goleiro frangueiro e do centroavante que perde gols, o estádio de futebol é uma perfeita recriação da arena romana. Daí o "império do resultado" a que me refiro, onde os fins justificam os meios, mandando a ética às favas. Se for para erguer uma taça, dar volta olímpica diante da sua torcida e postar vídeos deselegantes no Instagram tirando onda do adversário, vale absolutamente tudo. E quem fizer ressalvas é otário.
Clube grande só é rebaixado quando se cria um ambiente de total degeneração. Do contrário, a força da instituição sempre tem condições de evitar o pior. Mas o Cruzeiro de 2019 caprichou. Trocou de técnico como quem troca de bermuda. Teve a gestão investigada em meio aos jogos, diante dos indícios fortes de desvios. Áudios vazados e entrevistas infelizes foram desunindo o vestiário e colocando a torcida contra os jogadores.
Por fim, o motivo essencial, presente nos rebaixamentos graúdos.
O Cruzeiro atrasou salários de maneira indecente. Aquela conversa de Thiago Neves com Zezé Perrella, certamente vazada pelo dirigente, pois depois ele o afastou do elenco, falava em "60% não pagos" em setembro, sem contar outubro e novembro. Haja incompetência.
Isso só acontece, é claro, quando não há dinheiro – seja por roubalheira, má administração ou ambas. Mas o rebaixamento mineiro tem uma diferença fundamental em relação ao do Inter, que sempre nos pareceu de roteiros parecidos.
AVALANCHE
O caminho da Série B se abriu no bicampeonato da Copa do Brasil, inclusive com Thiago Neves, Fábio e Dedé, demônios de hoje, gastando a bola e sendo endeusados pela torcida. Em abril, as dívidas impagáveis, que hoje passam de meio bilhão de reais, foram contraídos em nome do império do resultado. Quando veio a segunda taça seguida, em 2018, ninguém lembrou que o Cruzeiro tirou Edilson do Grêmio oferecendo o dobro do salário: R$ 500 mil.
Dois neurônios sem sinapse bastam para a aprender a lição.
Virou uma bola de neve: reforços caros com salários inflacionados e empréstimos bancários a juros estratosféricos só para rolar a dívida, que dirá pagá-las. Até a avalanche se formar e soterrar o Cruzeiro, dois títulos vieram.
Isso sem contar o Campeonato Mineiro invicto, em abril, sobre o rival Atlético-MG. O império do resultado rebaixou o Cruzeiro, agora às voltas com o mundo real da sangria das receitas de TV. Talvez o retorno à Série A não seja tão simples assim.
A esse custo, valeu a pena ganhar?