Pode-se ter muitas impressões e percepções sobre Al Ain, que abrigará o Grêmio em boa parte da sua estada nos Emirados Árabes Unidos. É para lá que a delegação rumou após as sempre irritantes obrigações de alfândega, ainda mais depois de 30 horas de viagem desde São Paulo, via Londres e Frankfurt. Se é verdade que as dicas são sempre de quem conhece as esquinas de uma cidade, fui beber na fonte. Pedi a Tite para destrinchá-la.
O técnico da Seleção estava na Rússia quando falamos, por telefone. Ele se preparava para ir a Donetsk, onde viu o Shakhtar esfarelar a invencibilidade do Manchester City. Tite viveu em Al Ain anos antes de recomeçar sua carreira no Brasil pelo Inter, em 2008, treinando o clube homônimo.
A primeira dica: esqueça Dubai e Abu Dhabi. Nada de atrações turísticas como a maior torre do mundo, o Parque da Ferrari ou uma ilha artificial em formato de palmeira com prédios residenciais caríssimos. Al Ain tem 650 mil habitantes. É uma cidade de porte médio. Mas vamos combinar que ninguém vai para os Emirados sonhando conhecer Al Ain:
— O que mais atrai as pessoas tu vais ver logo de cara: são os dois quarteirões.
Quarteirões? Como assim, se todas as cidades do mundo se espalham por quarteirões? O que pode ser mais comum? É que estes são quarteirões reais. Não apenas um, mas dois. A família do rei mora neles, então a primeira casa do Grêmio em solo árabe se orienta pelos tais dois quarteirões da realeza, que obviamente se destacam pelo luxo, riqueza e imponência.
A ostentação, a propósito, incomoda Tite. Assim como o tratamento que "segrega" e "afasta", segundo o técnico da Seleção. Há muitos trabalhadores indianos e paquistaneses, já que não se vê árabes em atividades mundanas. É raríssimo vê-los pegando no pesado. Estima-se que menos de 20% da população dos EAU nasceu aqui. A mão de obra é estrangeira. E explorada.
— Os clubes de cada emirado são tocados pelas suas famílias reais. Uma das histórias, misto de observação e piada, que corria à boca pequena, é que eles ficavam esperando o vizinho construir o seu CT só para depois fazer um maior — conta Tite. — O Grêmio vai encontrar um espaço excelente para se preparar, com vários gramados e toda a estrutura.
Rose (foi ela que o demoveu da ideia de desistir da carreira, ainda no Interior, quando nada parecia dar certo), de maneira geral gostou do período que morou em Al Ain. Acaba de embarcar para Londres, onde encontrará o marido. A cidade usufrui também de uma parte boa, talvez a melhor de todas, desse país distante que tenta criar alternativas de futuro para além do petróleo: pode-se andar na rua sossegado sem medo de assalto, mesmo à noite.
O risco é zero, e sensação disso é maravilhosa. Você agora está pensando em abandonar Porto Alegre e vir para cá, o que é compreensível. Os carros estacionados de vidro aberto amanhecem no mesmo lugar. Dá para dormir tranquilamente de janela aberta e sentir a brisa invernal que humaniza a temperatura nesta época do ano.
E para se comunicar, Tite? Inglês, claro. Só que uma coisa é conhecer o idioma, e outra, bem diferente, é entender inglês com sotaque árabe medonha que coloca "al" antes de tudo. Em Abu Dhabi e Dubai, cidades mais internacionais, até fica mais fácil. Mas nos rincões de Al Ain é dureza. A filha de Tite, mesmo craque no inglês desde a adolescência, sofreu:
— A Gabriele chorava um monte. Chegava das aulas na escola internacional sem entender o que falavam.
Al Ain tem um entardecer deslumbrante, conforme o homem que embala o sonho do hexa na Rússia. Talvez o tom alaranjado forte do sol, combinado com a vastidão de uma área que, no começo dos anos 1970, não passava de um conjunto de povoados no deserto, antes de o fundador Zayed ter a ideia de reuni-los em um país.
O certo é que o pôr do sol, somado à beleza das casas e das cores das roupas tradicionais árabes, ficou no imaginário do técnico, assim como a liberdade religiosa. Tite é católico praticante e procurou onde fazer suas orações, já que Nossa Senhora do Caravaggio fica um tanto longe:
— Igrejas católicas existem sem problemas, mas passam bastante tempo fechadas e não se localizam em locais turísticos. Ficam mais escondidas. Mas há liberdade religiosa.
E o futebol, já que o Grêmio veio aos Emirados, ao fim e ao cabo, só para isso: sonhar o lindo sonho de ser bicampeão do mundo?
— Na cabeça deles é mais espetáculo, divertimento. Nem cobram ingresso. Teve uma vez que o xeique contratou um jogador marroquino famoso, de seleção. Ele mal tinha treinado, e o titular, da base, andava fazendo muitos gols. Deixei o Nasr no time, esse era o nome do guri. O xeique não entendia as pessoas quererem ver a nova atração e eu escalar o jogador que resolvia os jogos.
O Grêmio fica em Al Ain, que um dia abrigou Tite, até terça-feira, quando enfrenta o vencedor de Pachuca e Wydad Casablanca. Se for à final em Abu Dhabi, as impressões e percepções que ficarão serão as melhores. É o que se espera.