Ele está no mercado. Não formalmente, ainda. No dia 10 de dezembro, uma semana após o encerramento do Brasileirão pelo Cruzeiro na condição de gerente de futebol, planeja voltar para casa. É só o tempo de acertar algumas questiúnculas em Belo Horizonte e outras no Rio de Janeiro, onde finaliza um curso de gestão da CBF, do qual foi aluno por nove meses.
Mas, a julgar pelas condições que coloca na mesa para fechar com um clube, não será tão simples de Paulo César Tinga, 39 anos, arrumar emprego – embora o seu celular toque com alguma frequência nesse sentido. Pela sua vinculação com o Inter, é claro que pululam informações a respeito de uma volta como gestor de vestiário.
Até já recebeu convite do clube do coração, este ano mesmo. Recusou. O problema todo é que Tinga prefere nadar na contramão. O fato de ser ídolo, bicampeão da Libertadores e amado pela torcida terá de ser o último requisito para retornar ao Inter.
Antes, ele quer sentar para conversar, esse hábito tão fora de moda em tempos de debates online que começam e acabam com meia dúzia de postagens cheias de abreviaturas. Quer ser ouvido e ouvir. Mas não como ex-jogador, e sim como um cartola diferente. É aquela história ainda considerada papo furado no futebol brasileiro: projeto. Por enquanto, ninguém do Inter fez isso com ele.
— Não adianta só chegar e dizer: topa? Tem de sentar e conversar sobre objetivos, meios disponíveis para alcançá-los, talvez eventuais abismos entre objetivos e meios. Ou não. Enfim: conversar. Não quero, ainda mais no meu clube do coração, ser contratado só por ser ídolo. Ou para dar uma força. Já aconteceu com outros no clube e não deu certo. Quero trabalhar, seja onde for, com uma visão menos imediatista, capaz de preparar algo melhor para quem vem depois. Não abro não disso.
O raio é que suas convicções não são nada fáceis para os dirigentes bancarem. Uma delas, e talvez a principal, pelo que o ato em si simboliza, é terminar o ano apertando a mão do mesmo treinador da pré-temporada. Antes de ser campeão da Copa do Brasil em cima do Grêmio, Mano Menezes havia perdido o Campeonato Mineiro para o rival Atlético-MG.
Quero trabalhar, seja onde for, com uma visão menos imediatista, capaz de preparar algo melhor para quem vem depois. Não abro não disso
Amargou uma eliminação na primeira fase da Copa Sul-Americana. As organizadas, lembro bem das notícias desse período, lançaram ameaças no ar. Não precisa ser um gênio do xadrez para deduzir que o telefone do presidente Gilvan Tavares tocou centenas de vezes, com interlocutores pedindo a cabeça de Mano na bandeja.
Com o respaldo de um departamento de futebol de sua total confiança, o ex-volante não abriu mão do combinado lá atrás. Se Mano saísse, sairia ele também. Tinga deixará o Cruzeiro fiel ao que acredita, apertando, em dezembro, a mão do mesmo técnico da pré-temporada.
Também não quer mexer com dinheiro. Exige distância das negociações de compra e venda de jogadores. É algo que pode lhe tirar força nos bastidores cheio de empresários, executivos, investidores, procuradores, empresas que comandam carreiras de jogadores, assessores, dirigentes ambiciosos. Dinheiro, como se sabe, tem tudo a ver com poder.
Nem mesmo a chance de disputar uma Libertadores o fez seguir em BH. A mudança política no Cruzeiro, com a volta do grupo de Zezé Perrella, todo enrolado na Lava-Jato, mudará a fotografia de alguns dirigentes que o contrataram. Tinga não tem como confiar na turma do senador. Como garantir que estes não jogarão para a torcida na primeira crise? Preferiu sair a ter de se sujeitar.
No caso do Inter, aconteceu algo semelhante este ano. Um colorado ilustre entrou em contato, quando o time ainda não tinha fincado bandeira no G-4. O mais fácil era dizer sim. Os amigos de Tinga insistiam: aceita!
Agora, a visão do colunista. Por mais tortuosos que fossem os caminhos, a volta do Inter à Série A era inexorável. Sempre foi. Se quase tudo desse errado, talvez subisse em quarto lugar, no mínimo. A diferença é muito grande.
Enquanto seus jogadores comem fricassé, os adversários devoram pão com ovo. Tinga ganharia manchetes: “o ídolo que voltou para recolocar o clube do coração no lugar”. Preferiu ficar no Cruzeiro e seguir apagando incêndios na Toca da Raposa.
Para onde vai Tinga, afinal? Ninguém sabe. Nem ele. Mas o seu próximo destino talvez sinalize o tamanho e a visão de quem o contratar.