Não espero lucidez da média de pensamento que se manifesta nas redes sociais. Já desisti, se é que algum dia acreditei nesta possibilidade. A rivalidade no futebol já nos ofereceu vários momentos de estupidez. Aqui na Província de São Pedro, o mais acéfalo foi o Gre-Nal das construtoras. Gremistas e colorados – não todos, é claro, só os bitolados – defendiam as empreiteiras de seus clubes. Assim, os gremistas procuraram erros nas obras do Beira-Rio e tudo o que houvesse de ruim na Andrade Gutierrez. Os colorados, por sua vez, atacavam a Arena e a OAS pela mesma cartilha.
Até uma criança de 10 anos sabe que não há megaconstrutora brasileira honesta. A Operação Lava Jato só nos provou, com toneladas de provas, o que o país suspeitava desde o surgimento de Brasília. Mas colorados e gremistas gastaram horas de 4G no Gre-Nal das empreiteiras, sempre beatificando a sua e criminalizando a do outro, quando o certo era denunciar as duas. E o mais incrível é que levavam tudo a sério, consumindo uma energia que temas relevantes, como a educação e a boa política, nunca mereceram. Tudo o que um jornalista escrevesse sobre Arena ou Beira-Rio estava a serviço de uma engrenagem do mal criada exclusivamente para atacar a sua suposta adversária.
Uma burrice impressionante, para resumir tudo numa frase. Pois esta semana surgiu outra grenalização. A penúltima: logo ali adiante ela perderá força em nome de outra qualquer. Reconheci os méritos do Barcelona, de Guayaquil, próximo da lista do Grêmio na Libertadores. Disse apenas que pior seria pegar o Santos, em razão do mês para recuperar seus vários lesionados. Isso sem falar na tradição e na Vila Belmiro, um tabu para os gaúchos. Mais óbvio que isso só Arthur acertando passes. Colorados me acusaram de comentarista Nutella: sempre vê conto de fadas em tudo na Arena. Gremistas me xingaram por "subestimar" o Barcelona, o que fatalmente mexerá com os brios equatorianos, e, claro, em larga escala, os fará eliminar o Grêmio.
Sou um otimista. Quando menos esperava, desbastando paranoias, erros de português e ofensas, eis que surge uma grenalização nas redes que, com alguma boa vontade, faz sentido: Miller Bolaños x Ignacio Scocco.
O mais correto, claro, seria os próprios gremistas criticarem Bolaños. E os colorados se irritarem com Scocco. Que nada. Escrevi que o gol de Bolaños pelo Tijuana, logo no começo de sua jornada mexicana, afrontava o Grêmio. O clube investiu muito, R$ 20 milhões por 70% de seus direitos, para ser abandonado quando mais precisava dele, diante da lesão de Luan e a venda de Pedro Rocha.
A parte azul mais oficialista entendeu como crítica ao Grêmio, quando na verdade era o oposto. Romildo Bolzan acertou ao contratá-lo, pelo rendimento que exibia no Emelec e na seleção. Inaceitável é fazer o que ele fez com o Grêmio, dando desculpas esfarrapadas para não jogar. Disse que estava abalado por mentiras e ofensas recebidas através das redes sociais, como se não fosse esta a gênese das redes sociais contra todos, inclusive jornalistas: mentir e ofender. E daí? Que importância tem? Nenhuma. Bolaños foi para o Tijuana e tudo mudou, inclusive a tal pubalgia. Então surgiu Ignacio Scocco e seus cinco gols no excêntrico 8 a 0 do River sobre o Jorge Wilstermann.
Claro que eu nem lembrava mais de como Scocco tinha saído do Inter, há quatro anos. O caso Bolaños, além de recente, teve contornos ruidosos e algo misteriosos.
O certo é que, dessa vez, os patrulheiros da grenalização ofereceram uma recordação procedente, ainda que seletiva. Os colorados me acusarão de tentar empatar o Gre-Nal dos abandonos, mas é verdade.
Scocco custou caro, não jogou nada e disse que lhe faltava ânimo para vestir a camisa do Inter, mesmo ganhando em meses algo que a maioria dos trabalhadores nunca ganhará na vida. Atrasou-se para a reapresentação da temporada 2014. Mentiu que tinha perdido o voo de Buenos Aires. Depois contou a verdade: não estava a fim. O diagnóstico de quem lidou com o argentino no Inter é simples. Achou que ia ser titular pela grife e, quando se viu no banco, fez corpo mole.
Os gols de Scocco – sua contratação ainda rendeu ações judiciais – são uma afronta para o Inter. Como o gol de Bolaños é escárnio para o Grêmio, e todos os outros que fizer.
Nem todas as grenalizações são burras.
Só 99% delas.