O David Coimbra incendiou as redes sociais esta semana. Não queria, eu sei. Conheço-o há décadas e posso afiançar que ele não está nem aí para este fogaréu de precipitações, marca indelével e pueril de um universo cujo conteúdo evapora em segundos. O David disse que "nunca um time gaúcho jogou como o Grêmio".
Na segunda frase, conhecendo muito bem a aldeia mesmo lá nas universalidades de Boston, e já antevendo que muitos pudessem explodir pelo Twitter logo após a primeira, emendou imediatamente: "nem a melhor equipe gaúcha de todos os tempos, o Inter dos anos 1970."
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Logo, o Inter dos anos 1970 segue sendo a melhor equipe gaúcha de todos os tempos, isso é certo. O que não exclui o fato de, na sua opinião, nenhum time gaúcho na história ser tão radical na insistência em tocar a bola como este, de Renato Portaluppi. Apenas uma avaliação acerca de estilo de jogo, sem juízo de valor, o que nem sequer tem a ver com melhor, pior ou quantidade de títulos.
Dito isto, como diz o Pedro Ernesto, entendo que o David está errado no que diz respeito ao Grêmio.
A marca mais expressiva desta equipe moldada por Renato não é a troca de passes que envolve os adversários com no máximo dois toques, parecendo as rodas de bobinho dos livros do Guardiola. Isso não é novidade. Outros times do Grêmio, com outros técnicos, já jogaram assim. O chamado Grêmio show do final dos anos 1980, que à certa altura alinhou Bonamigo, Valdo (craque), Cuca e Cristóvão, foi hexa do Gauchão e sedimentou a primeira Copa do Brasil, em 1989, com Assis e Cuca trocando mais passes do que Luan e Pedro Rocha.
Lembro de um Gre-Nal de 1987, vencido pelo Grêmio por 3 a 0, no Olímpico, no qual o Inter passou mais de um minuto sem tocar na bola. O Grêmio de Roger não ganhou nada, eu sei, mas já rezava pela cartilha da posse de bola. Tanto que, até cair de rendimento e encontrar em Renato a sua mais estupenda adequação, chegou a virar vinheta de programas esportivos e ser analisado em cursos de técnico da CBF. Lembra aquele gol de Douglas contra o Atlético-MG, no Mineirão? Esse. O segredo do time de Renato não é fazer o que outros já fizeram. É mais. O segredo é ser diferente: é o repertório coletivo. É a capacidade de jogar em alto nível de várias maneiras.
Podem ser quatro volantes ou quatro atacantes de origem, claro que dispostos conforme funções equilibradas no esquema. Que, aliás, já foi 4-2-3-1 (o mais usado), mas também 4-1-4-1 ou 4-3-3. Quer o Grêmio trocando passes miúdos em progressão até fazer gol com cinco dentro da área? Há vários exemplos. Nem preciso citar. Mas quer o oposto disso, um Grêmio físico, jogando no corpo, na lama, apostando na segunda bola, tipo assim alma castelhana, relembrando os anos 1990? Godoy Cruz, na Argentina. E um Grêmio de reação, esperando um contra-ataque à socapa?
A Chapecoense sabe bem o que significa se abrir na Arena Condá para fazer valer o fator local: apanhou de seis. Já o Flamengo, avaliando os antecedentes, pensou que teria espaços no Rio. Aquela história do duelo de titãs, grande contra grande, sabe como é. Aí Renato apresentou outra faceta: se fechou feito ostra. Decidiu-se por uma partida de marcação visceral. Everton Ribeiro mal tocou na bola. Nem Diego. Damião morreu à míngua. Jogou por uma bola. Ganhou de 1 a 0, gol de Luan em jogada individual.
Enquanto os outros Grêmios que fizeram história impunham um só jeito de jogar (o de Roger perdeu por isso; o de Felipão, nos anos 1990, ganhou por isso), o de Renato tem ditado as regras de várias maneiras. É um camaleão, que se adapta a qualquer circunstância ou estratégia em nível alto. Se der para vencer na sua, naquele cenário em que se sente mais à vontade, o da roda de bobinho, tanto melhor. Mas não é nenhum drama aceitar outras condições.
Os adversários nunca sabem o que terão pela frente. Imagino a angústia deles. Acho mesmo que o David pode ter acertado errando. Será que houve um time gaúcho que jogou como este Grêmio, candidato a título na Copa do Brasil, na Libertadores e no Brasileirão? Neste domingo é o Santos, na Arena.
A propósito: que Grêmio será?