
O diálogo, só descoberto depois pelas revelações dos envolvidos, diz respeito aos dois grandes personagens da conquista da Copa do Brasil pelo Grêmio, a quinta e mais emblemática de sua história pela longa e dolorida espera. As outras quatro vieram quase uma atrás da outra, de 1989 a 2001, todas em menos tempo do que o hiato de 15 anos até essa, erguida na quarta-feira.
– Hoje vou beber todas... – diz Douglas, escolhido o craque da competição após mais uma atuação memorável, contra o Galo.
– Hoje? – brinca Renato.
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O papo rolou no campo, com o penta já consumado. O técnico o gravateou pelo pescoço, convocando-o para um abraço fraterno. Renato ajustou o seu posicionamento, fazendo-o jogar ainda mais. O diálogo saiu ao pé do ouvido, seguido de risadas de um e de outro. Dizem que Douglas estava abstêmio por um mês, em concentração para tirar o Grêmio da fila. Cumprida a missão após tal privação, tinha de comemorar em grande estilo. Não sei se essa parte do jejum líquido é verdade mesmo ou fica mais no folclore só possível aos craques, mas não importa. Douglas não é um beberrão, é claro. Muito menos o colunista está defendendo o consumo de álcool em grande escala. Aliás: se beber, não dirija nem carrinho de controle de remoto. Nunca é demais ressalvar. Os patrulheiros de tudo não descansam nunca.
A questão é que Douglas é um atleta, e uma cervejinha básica está associada ao oposto do que se entende como comportamento esportivo padrão de alto rendimento. Sempre achei que boa parte da bronca da torcida do Grêmio lá atrás (alguns renitentes têm até hoje, agora querendo que o camisa 10 saia por já ter 34 anos) tinha a ver com uma falsa imagem de indolência, de quem não gosta de marcar, quase um descompromisso com o clube.
Nós, da imprensa, vez por outra embarcamos nessa. É a ideia um tanto moralista, de que o jogador, pela exigência de performance, tem de ser necessariamente um espartano, um soldado disposto a dar a morte por uma causa. Mais: se ganha muito dinheiro, tem de compensar com sofrimento. Só assim pode ser ídolo de verdade. Do contrário, é mau exemplo.
É o que explicam algumas condenações sumárias quando um jogador é fotografado em baladas com requintes de ostentação, mesmo em períodos de folga. Critica-se a balada, e não a ostentação, esta sim uma praga nacional. Nunca foi o caso de Douglas, bem entendido. Este nunca ostentou, mas jamais escondeu o gosto por descansar de chinelos e tomar um brasileiríssimo chope. Também condenou o esforço físico desnecessário. Lembro de uma entrevista à ZH, em seu retorno ao Grêmio, antes de ser quase unanimidade, na qual afirmava que jamais daria carrinho só para se tratar com a torcida. Ou correr mesmo sabendo que a bola vai sair para a linha de fundo, pelo mesmo motivo. Personalidade nunca faltou a Douglas.
Pensei em abordar o tema ao analisar as estatísticas de um jogo na Copa do Brasil, como gosto de fazer. Nem lembro mais qual. O fato é que Douglas tinha terminado com mais desarmes do que Walace, cuja força física é a de um rinoceronte magro. Então, me liguei. Aos 34, sem mudar o seu estilo de jogar e de viver, Douglas foi o que mais vezes entrou em campo no Grêmio em 2016. No campo, o que vejo é ele bem adiantado sem a bola, perseguindo zagueiros e até laterais no primeiro combate. Dando piques velozes, obrigando-os a desafogar no balão. Às vezes, recua até além da conta para ajudar a marcar. De posse da bola, faz o que todos sabemos. Onde está o boêmio que sobrecarrega o time? Como agir dessa maneira sem um vida de atleta exemplar?
Os músculos não estouraram, de janeiro a dezembro. Só que o rótulo grudou: boêmio, ex-jogador, vocês correm e eu jogo. Eis aí uma conquista paralela desta Copa do Brasil do Grêmio. Assim como fez Renato em seus tempos de jogador, quando curtia a vida mas nunca se apresentava acima do peso ou dava chance a críticas por falta de empenho e rendimento aquém, Douglas transformou um rótulo em algo positivo. Isso além de ser um espécime em extinção, na medida em que, na Europa, há uma tendência de armar o time com volantes de qualidade e atacantes que recuam, abolindo a figura do armador clássico, a do camisa 10 das antigas, como Douglas tão bem encarna.
Pode até ser, mas você seria maluco de recusar o velhinho das duas taças aí da ilustração no seu time?
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