Os técnicos brasileiros não entram no mercado europeu e correm o risco de perder espaço até no mundo árabe por motivos variados. Como mudar essa realidade? O assunto vai e volta como se andasse em círculos.
Há de ter uma explicação, ou mais de uma, para o fato de os treinadores brasileiros serem tão desacreditados na Europa. O Brasil é cinco vezes campeão mundial e sempre abasteceu o mercado com os melhores jogadores, mas não há jeito de entrar no circuito dos clubes europeus de ponta.
É até constrangedor. Basta ter o carimbo de técnico tupiniquim para eles desconfiarem, enquanto os argentinos são disputados a tapa. Raras exceções quebraram esta barreira, mas nenhuma vingou. Pior: ajudaram a fechar portas, pelo fracasso.
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Felipão foi pedalado no Chelsea, em 2008. Sofreu com boicotes de estrelas como Ballack e Drogba, mas o fato é que não ele e Murtosa não se acertaram na Inglaterra. Nunca mais se pensou em brasileiro no Stamford Bridge. Antes, em 2005, Vanderlei Luxemburgo fracassou no Real Madrid mesmo tendo Zidane, Beckham, Ronaldo, Casillas e outros galácticos para escalar.
O que acontece, afinal de contas? Para ir além da recorrente questão do idioma – a maioria dos nossos treinadores é monoglota, e aí fica mesmo difícil entrar na Europa, inclusive na Espanha –, procurei ajuda de um técnico da nova geração. Milton Mendes tem diplomas de todos cursos disponíveis na UEFA, do nível 1 ao 4.
Está tomando lições de russo, pois o mercado anda receptivo na terra dos czares. Ex-Atlético-PR e Santa Cruz, cogitado pelo Grêmio após a saída de Roger Machado, Milton tem 50 anos. Demorou oito anos para ter habilitações que o permitam treinar qualquer clube na Europa.
Este é o primeiro aspecto contra os nossos técnicos. As federações dos países estão exigindo cursos habilitados pela UEFA, de preferência feitos por lá mesmo. Os da CBF não são reconhecidos, ao contrário dos da Associação Argentina de Futebol (AFA). A primeira questão é de ordem legal:
– As federações na Europa, salvo raríssimas exceções, exigem cursos validados para trabalhar. E ainda tem de ter cinco anos de prática na profissão. Sem isso, nada feito. Com o tempo, não haverá exceções. O futebol mudou muito nos últimos 15 anos. Países pequenos com a Islândia agora mostram resultado, como se viu na Euro, porque lidam a fundo com a parte tática. Quem não estudar não apenas ficará para trás: será naturalmente excluído. Recusei propostas na Romênia, que me renderiam bom dinheiro, para não perder meus cursos. Cada um custa 4 mil euros.
Os clubes europeus sabatinam seus prováveis treinadores sob novos paradigmas. Como desmontar um 4-4-2 em losango se você atua no 4-4-2 em duas linhas de quatro? E, mais do que isso, quais os exercícios criados em suas sessões de treino para atingir tal objetivo? Como é a recuperação física durante a maratona de jogos? Só descanso com folga não se aceita mais. É preciso otimizar o pouco tempo. Então dá para jogar no domingo e trabalhar algo levíssimo, tático e de posicionamento, no dia seguinte.
Milton está em Portugal, que se tornou uma espécie de universidade do futebol. Acompanha o dia-a-dia de Jorge Jesus, técnico do Sporting, compartilhando tudo, das sessões de treinamento aos protocolos de desempenho para avaliação dos adversários.
Os novos paradigmas aos quais Milton se refere nada tem a ver com divisão entre jovens e velhos. Tite não é garoto e, mergulhado de corpo e alma nesta realidade, está revolucionando os métodos da Seleção. É só olhar a organização do time a partir de sua chegada.
É um comportamento profissional que contribui para os técnicos brasileiros não serem vistos sob a ótica do jeitinho, aquele preconceito estrangeiro de ver o nosso país como o lugar ideal para descolar passaporte falso ou garantir espaços pelas amizades em detrimento da formação:
– Antes de mais nada, temos de trabalhar para os cursos da CBF serem reconhecidos pela UEFA. É o primeiro e decisivo passo. Só isso já significaria enorme avanço. O diferencial ficaria por conta de cada um, claro. Na relação com os argentinos, a ausência desta habilitação é um limitador quase instransponível.
Só que o presidente da CBF, Marco Polo del Nero, não sai do país com medo de ser preso pela Interpol. Aí fica difícil ir à Fifa e à Uefa gestionar, dialogar, discutir currículos programáticos e cargas horárias similares para os cursos da entidade, seja pessoalmente ou através de empresa que o represente.
Outra: os técnicos mais antigos deixam um legado péssimo do ponto de vista de classe. Não há um sindicato realmente forte que unifique debates e ações. É cada um por si e todos querendo o lugar dos outros. E tem a questão da mentalidade.
Milton prefere não entrar no mérito, mas entro eu. Você já deve ter ouvido a seguinte frase: "Queria ver o Guardiola tendo de remontar time e sem craques, como no Brasil". É a cultura de ainda se achar abençoados por Deus e bonitos por natureza, mesmo depois do 7 a 1 e mesmo agora, não faz muito, com seleções medíocres enfrentando a Seleção na base da organização tática.
Milton diz que a dedução é por minha conta e risco, mas dá o seu recado final:
– O mercado se fechando para nós, brasileiros. Não temos técnico na Europa. No Catar, tínhamos seis, mas que eu saiba agora não tem nenhum. O futuro, também lá, é exigir validação UEFA. O futebol mudou. Se o Brasil não mudar, andaremos para trás.