Não sei se estava preparado para voltar aos trópicos. Havia esquecido do calor que faz aqui. Até porque, no ano passado, o verão foi ameno. Mas, agora, não. Agora, como se diz no futebol, o bicho pegou. Esses calores inclementes estão me amassando.
Sei que as moças vestem roupas diáfanas e mínimas nessa época do ano, e isso é bom. Sei que a estação nos leva à sensual manemolência, e isso também é bom. Mas, afora essa leveza maliciosa dos relacionamentos humanos, pouco se ganha com a canícula, principalmente porque eu sou homem casado, responsável e... velho. Sim, meu amigo, compreendo que não é por mim que as mulheres vestem roupas diáfanas e mínimas. Mas já foi por mim, ah, já foi! Uma noite, inclusive, eu estava no Lilliput e disse para uma morena que o meu sonho era que, num dia de manhã, uma bela mulher batesse à minha porta vestindo apenas botas, lingerie e, sobre tudo, um sobretudo. Bem, no dia seguinte, pela manhã, a campainha da minha casa soou e...
Mas cesse tudo que a musa antiga canta. Isso não importa. Importa é o sofrimento causado pelo calor opressor em 2022. Eu mesmo passo os dias sob o ar-condicionado, vendo séries e comendo melancia. É o que faço para me homiziar do calor lá fora. Estou, inclusive, revendo “Roma”, uma das maiores séries de todos os tempos.
Você diria que estou me queixando de barriga cheia, o que, segundo o Zeca Pagodinho, é a coisa mais feia. Talvez, mas, olha, mereço sorver algum conforto, trabalhei duro para tanto. O problema é que não consigo usufruí-lo. Sabe por quê? Por causa das baratas. Nós dedetizamos a casa, mas não adianta. Nas noites quentes elas emergem dos bueiros e entram voando pelas janelas ou rastejando rapidamente por debaixo das portas, com suas antenas detectando o que está por perto e suas pernas peludas se movimentando rapidamente. Nunca vi tantas baratas nas ruas e nunca elas foram tão ousadas. Será algum sinal? A Marcinha enlouquece.
Sei que barata é um bicho repugnante, mas a Marcinha e a minha irmã Silvia exageram. Para começar, ambas têm idêntica reação à simples menção da palavra “barata”: elas passam a coçar o nariz. Se eu descrever a barata, pior ainda. Agora mesmo, se contar que as baratas que invadem a casa são grandes, gordas, bem alimentadas e velozes como lagartos, se eu contar que são baratas quase que do tamanho de antigos celulares Motorolla, elas vão esfregar os narizes quase que até deixá-los em carne-viva.
Então, à noite, é uma gritaria aqui em casa. Se uma barata cruza o limiar da porta, a Marcinha pedirá socorro num grito angustiado, mesmo sabendo que o bicho vai morrer por obra da dedetização. Noite dessas, ela sonhou que uma barata fazia um ataque aéreo e emitiu um urro de agonia comprido e doloroso. Foi como se estivesse sofrendo muito, ou se estivesse vendo um espírito malévolo. Dei um salto na cama:
— Que é isso, pelo amor de Deus???
— Sonhei com uma barata...
É que ela passou seis anos sem ver baratas, lá em Boston. Seis anos! Sei que há baratas nos Estados Unidos, mas, em Boston, nunca vi uma. É o frio. O frio faz cobrir os corpos das mulheres, faz a gente trabalhar até mais tarde, faz a gente dormir mais cedo e nos tira a manemolência maliciosa, mas pelo menos acaba com as baratas. Vale a pena a troca? Se você coça o nariz ao ouvir a palavra “barata”, provavelmente responderá que sim.