Meu avô, o velho sapateiro Walter, dizia sempre:
— O homem se acostuma com tudo.
E é verdade. Ainda que a situação seja ruim, o ser humano vai se adaptando até estabelecer uma rotina. A partir daí, a vida fica mais fácil, porque fica mais previsível.
Aliás, essa é a palavra mágica: rotina. A rotina tem injusta má fama. As pessoas reclamam:
— Não aguento mais essa rotina!
— Preciso fugir da rotina.
Quer dizer: a rotina seria algo tão terrível que as pessoas tentam se afastar dela.
Só que não é assim. Na verdade, as pessoas estão sempre buscando a rotina.
Digamos que você faça uma viagem para “quebrar a rotina”. Você chega a um país estrangeiro, se instala no hotel e se prepara para conhecer lugares novos. Em alguns dias, você passa a conhecer o ambiente que o rodeia e já sabe o que fazer em cada circunstância. Você acorda mais ou menos no mesmo horário, come mais ou menos as mesmas coisas no café da manhã, vai à mesma estação de metrô. Ou seja: você montou uma pequena rotina.
A rotina lhe dá segurança. Dificilmente há surpresas desagradáveis, se você caminha em terreno conhecido.
Isso se aplica a qualquer contingência. Restaurantes, por exemplo. Sei que o filé acebolado da Santo Antônio é ótimo. Então, se estou com vontade de comer um filé acebolado, é lá que vou. Não procurarei novidades, porque posso me decepcionar.
Já as mulheres... Ah, as mulheres... Elas gostam de experimentar restaurantes novos. Elas pedem:
— Vamos a um lugar diferente hoje?
Para que isso? Você já sabe quais são os bons lugares, por que arriscar?
Entenda essa verdade: nós homens somos mais afeitos à rotina. Construímos hábitos e nos afeiçoamos a eles. As mulheres, não. Elas ficam inquietas, elas procuram novidades. Quando as encontram, essas novidades se transformam em novas rotinas. Aí elas procuram novas novidades.
As rotinas da Humanidade inteira foram alteradas agora, no começo da segunda década do século, por causa do coronavírus. Foi algo único na história da Civilização, o que não deixa de ser especial para nós, que estamos vivos. Porque, pela primeira vez, experimentamos um evento planetário. Nem a II Guerra Mundial afetou de forma tão abrangente todas as esquinas da Terra, como essa pandemia.
Durante quase dois anos, os americanos, os japoneses, os paraguaios, os índios, os noruegueses e você compartilharam o mesmo problema, tiveram os mesmos medos e receberam as mesmas soluções. Isso nunca aconteceu antes.
A mudança forçada de hábitos teve consequências, porque novos hábitos se formaram. As pessoas se acostumaram a ficar em casa. Não saem nem para trabalhar, graças ao home-office. Passam o dia com roupas moles – pijamas, moletons, abrigos, pantufas. Algumas nem querem mais sair. Quando há algo para fazer fora, elas dão desculpas para ficar em casa. Muitas se satisfazem com os contatos virtuais, pelas redes. Isto é: o toque, o olho no olho, o contato humano, enfim, perdeu prestígio nesses dois primeiros anos da década. Parte da Humanidade se tornou mais caseira do que jamais foi. Viveremos num mundo cheio de ermitões, pessoas que passam o dia trancadas em suas tocas, vendo TV e discutindo política e futebol pelas redes. Não será de todo mau. Sobra mais espaço na rua para nós, que somos normais.