Não faz muito, li duas autobiografias, do Woody Allen e do Nelson Motta, em que eles atribuem o sucesso que tiveram na vida à sorte. Nelson Motta fala em sorte do título do livro à última página. Woody Allen às vezes substitui a sorte pelo acaso, que é o apelido da sorte.
Silvio Santos também agradece à sorte pelo que conquistou.
- Sorte é tudo na vida, diz ele. - Algumas pessoas têm muita sorte, como eu, e tudo que fazem dá certo. Outras, têm pouca sorte, e tudo que fazem dá errado. E a maioria das pessoas às vezes têm sorte, noutras vezes, não.
Júlio César era outro que acreditava na sorte. Uma vez, ele tinha de cruzar um braço de mar em um barco pequeno. No meio da travessia, alcançou-o uma forte tempestade, que erguia as ondas e ameaçava virar o barquinho. Olhando para os rostos apavorados dos remadores, César os tranquilizou:
- Nada temam: vocês estão levando César e sua fortuna.
A palavra “fortuna”, no caso, significa, exatamente, sorte. César acreditava que sua boa sorte o protegeria. Não protegeu – o barco acabou se despedaçando contra os recifes. Mas ele teve sorte de se salvar a nado.
Perceba a diferença: César, ao falar da sorte, falava de sua própria confiança. Ele acreditava que superaria as dificuldades, e assim as enfrentava sem medo.
Já Silvio Santos, Nelson Motta e Woody Allen usam a sorte para expressar sua modéstia. Eles diminuem a importância de seus méritos em suas conquistas. Outros poderiam ter conseguido o que eles conseguiram. Não foi a competência, o esforço ou o talento que os beneficiaram; foi a casualidade: eles estavam no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas.
Sorte.
O que, afinal, seria sorte? Como uma pessoa é abençoada pela sorte? Como é que a gente consegue isso? É Deus quem dá? Se for Deus, por que Ele beneficia uns em detrimento de outros? Deus disse ao meu xará, David, três mil anos atrás:
“Assenta-te à minha direita. Até que eu faça dos teus inimigos o escabelo de teus pés”.
Ou seja: Deus era por David e contra seus inimigos. David tinha sorte.
Pensei nisso tudo porque, ao passar por uma série de vicissitudes nos últimos tempos, concluí: estou sem sorte. E me vi assim, abandonado e desprotegido em meio ao Universo hostil, e comecei a sentir o pior dos sentimentos: senti pena de mim mesmo.
Aquela autocomiseração, aquele desespero mudo estavam me amassando.
Até que olhei ao redor.
Ao sair um pouco de mim e prestar atenção às pessoas que me cercavam, vi as expressões de carinho e de amor da minha mulher e do meu filho. Em seguida, lembrei dos meus familiares, dos meus amigos e dos meus colegas que estavam tão preocupados comigo. E li as mensagens dos leitores, gente que nem conheço, que queriam saber de mim, que diziam estar pensando em mim e que rezavam por mim.
Essa ideia me animou. Disse para mim mesmo: “Tenho sorte!” E me joguei de novo, em meu pequeno barco, no mar proceloso da existência. Arrostei: que venham as ondas! E torci para ter mais sorte do que tinha César.