Quando me mudei para os Estados Unidos, achava que viveria lá um ano, no máximo. Mesmo assim, procurei pelo melhor lugar possível para morar. Levado por corretores, visitei diversos apartamentos. Uns mais caros, outros bem baratos, como os famosos basements, que são, na verdade, meros porões. Só que não exatamente como os daqui. Os basements americanos ficam, óbvio, na base dos prédios – pode ser um edifício de apartamentos, pode ser uma casa. No entanto, ao contrário dos nossos porões, eles têm porta para a rua e janelinhas na parede da frente. Mas, como estão enterrados abaixo da linha do solo, as janelinhas ficam no alto, próximas ao teto, você não pode se debruçar nelas para ver o movimento.
Conheci basements ajeitados, bonitos e agradáveis. As pessoas que lá viviam pareciam felizes. Uma das corretoras que me atendeu insistia para que alugasse um – era mais barato, era espaçoso, era até arejado, argumentava. Ideal para quem moraria ali apenas um ano. Eu não queria. Podia ser por seis meses, três, um, não interessava – preferia passar meus dias em um local no qual sentisse que poderia viver para sempre.
É o critério que emprego, quando vou fazer uma escolha. “Isso é algo que me apeteceria ‘para sempre’?” O curioso é que me faço essa pergunta exatamente por saber que o “para sempre” não existe. Nada é para sempre, tudo é provisório. O que torna todo o provisório eterno.
Não é uma contradição. Seguindo com o tempo em que vivi nos Estados Unidos como exemplo, pensava que seria um ano, foram seis. Um expressivo pedaço de tempo que foi importantíssimo para mim e para minha família. Temos essa época como um tesouro guardado, uma poupança de boas lembranças da qual podemos lançar mão a todo momento. Um tipo de vida que experimentamos e que não deixou de existir, porque está em nós. Pode ser usado eternamente.
É interessante como uma única vida é feita de várias outras menores. Se você pensar na sua experiência, vai constatar isso. Falo da minha, porque é a que tenho. Posso dividi-la em muitas diferentes, com situações diferentes, personagens diferentes, cenários diferentes e até com o protagonista diferente. No caso, eu. Porque mudei bastante e continuo mudando, não sou igual ao que era.
Então, foram múltiplos tipos de vida que tive. Que tiveram seu tempo e que não voltam. Acabaram.
Mas, por fazerem parte da minha bagagem, continuam comigo. Ou seja: acabaram, mas não deixaram de existir.
Talvez esteja fazendo filosofices na segunda-feira, mas precisava tecer essas considerações a fim de abordar o que está acontecendo conosco hoje, no presente pulsante.
Estamos em março. No ano passado, por essa época, a cidade começou a fechar por causa da peste. Ficamos acantonados nas nossas casas, calculando quanto tempo teríamos de permanecer naquela condição. De repente, surgiu uma data: 6 de abril. As pessoas falavam que 6 de abril seria o dia do “pico” e que, depois disso, viria a queda da contaminação e a volta à normalidade. Veio o 6 de abril, tudo continuou igual. Então, falou-se em 20 de abril, e aquele dia se foi e nada mudou. Passada essa data, ninguém mais arriscou a falar em dia; falava-se em mês. O pico seria em maio, em junho, em julho. “Essa quinzena será decisiva”, alertavam as autoridades, a cada quinzena. Só em setembro a pandemia arrefeceu. E agora recrudesceu. Continuamos na mesma situação, é o nosso Dia da Marmota.
Estamos vivendo tempos provisórios que não terminam nunca. Já é um bom pedaço de vida. Já é significativo. O que me leva a questionar: mais tarde, nas próximas vidas que viveremos, será que teremos coisas boas sobre esse período guardadas na conta corrente da nossa experiência?