Coisas antigas e simples me fazem feliz. Minha ideia de lar, sempre digo, é uma casa de madeira com um grande pátio atrás. As casas de hoje não têm mais pátio ou, se têm, é mínimo. Compreensível: existem cada vez mais pessoas no mundo, e elas precisam de espaço. Há 60 anos, imagine, 3 bilhões de humanos respiravam debaixo do sol. Hoje são quase 8 bilhões. No período de uma vida adulta, nos reproduzimos feito vírus, empesteamos o planeta.
Isso demonstra a popularidade do sexo entre nós. Se não gostássemos tanto de sexo, seríamos em menor número, e as casas poderiam ter amplos pátios habitados por árvores, cães e pintassilgos.
Ocorre que o marketing do sexo é poderoso. Filmes, romances, poesia, a arte incensa o sexo. Noventa por cento das músicas são sobre sexo ou seu subproduto, o amor. Discutimos o mesmo tema há pelo menos 10 mil anos, como é que ainda não nos aborrecemos com o assunto? É que nem a cloroquina, não aguento mais ouvir falar da cloroquina. Entupam-se desse troço, se quiserem, e me deixem em paz.
Sou favorável à proposta de Schopenhauer, de gradual e indolor extinção da humanidade pela limitação da reprodução. Vamos tendo menos filhos paulatinamente, e, assim, o número de pessoas diminuirá, até que cada uma possa dispor de um enorme pátio com tudo o que bem entender dentro.
Tempos atrás, eu, o Professor Juninho, o Degô, o meu irmão Régis e o Dinho planejávamos comprar um terreno e construir nele um condomínio para morarmos. Desta forma, teríamos espaço para pelo menos uma veleidade, cada qual escolheria a sua. O Dinho queria uma piscina em que pudesse nadar, não apenas banhar-se. O Juninho queria uma quadra de futebol sete com iluminação. O Régis, uma academia. O Degô, aquele Travolta, preferia uma pista de dança com estroboscópio. E eu um pátio com rede, pés de jabuticaba e dois pastores alemães chamados Murder e Killer.
Esse meu apreço por casas de madeira com vastos pátios vem, bem sei, da infância, porque era assim a casa do meu avô, incrustada no número 365 da Rua Dona Margarida, tendo diante dela uma sibipiruna de tronco robusto sob a qual os vizinhos se reuniam com suas cadeiras ao entardecer – casas simples, com cadeiras na calçada, e na fachada escrito em cima que é um lar, diria o Chico.
Ainda sonho com aquela casa, vez em quando. Gostava de tudo nela, menos um único local, já digo qual é. Do que mais gostava, na parte de dentro, era da cozinha, onde minha avó passava o dia preparando três mágicas: quitutes, guloseimas e acepipes.
Nos poucos momentos em que ela ia para outras peças, eu e meus irmãos aproveitávamos para invadir aquele terreno sagrado a fim de cometer pequenos furtos. Eu subia num banquinho para acessar a lata de leite Ninho que se encarapitava na parte mais alta das prateleiras. Tirava a lata, enquanto meus irmãos saltitavam de excitação. Pegava uma colher de sopa, enchia de pó de leite e, tuf, tuf, tuf, metia na boca de cada um de nós. Que delícia comer leite Ninho puro! Pena que o pó grudava no céu da boca. Meu irmão, como era pequeno, se engasgava. A minha vó ouvia-o tossir e vinha de lá, furiosa, jurando punições. Nós saíamos correndo, o Régis todo lambuzado de leite Ninho. Íamos nos esconder, evidentemente, no pátio.
Naquele pátio havia galinhas pacíficas e perus de crista vermelha e até um ferreiro que gritava um grito alto de metal, assustando todo mundo. Havia um balaio de gatos e, nos fundos, duas tartarugas não muito animadas. Houve até uma porca, a Chica, que atendia quando a minha avó a chamava pelo nome. Essa fidelidade não impediu que, certo domingo, minha avó sacrificasse a Chica em troca de linguiça, toucinho, torresmo e tempero da feijoada. Hortas bem fornidas ladeavam o pátio, bem como canteiros de flores com vistosas hortênsias lilases e amarelas.
Mas tinha também aquela parte que me desagradava.
O banheiro.
Meu avô era um homem antigo e, quando construiu a casa, erigiu o banheiro no lado de fora, como se fazia antes. Era a famosa casinha, pequena, escura, com um retângulo aberto no alto da porta, por onde se imiscuía a luz vinda do exterior.
Eu odiava a casinha, mas não havia alternativa. Se à noite, com chuva e frio, me acometesse a urgência de alguma necessidade fisiológica, tinha de levantar da cama e ir para fora. O horror. O horror.
Um dia, reclamei para a vó: pô, ter que sair de casa de madrugada para ir ao banheiro?! Ela desdenhou:
– Não precisa...
– Como “não precisa”?
– Usa o penico.
Aquela frase foi um raio paralisante. Imaginei o penico debaixo da cama e estremeci. Olhei para a minha vó: ela falava a sério. Naquele tempo, era assim. Tudo muito natural. Pensando bem, nem todas as coisas antigas e simples me fazem feliz.