Uma vez, em priscas eras, estava na casa de uma antiga namorada, eu lendo o jornal, ela estendida no sofá, meio sonolenta, e deparei com uma notícia que me espantou e sobre a qual comentei em voz alta:
- Olha que coisa! Só existem mais 800 gorilas no mundo!
Ela, sem nem abrir os olhos, murmurou:
- E pra que mais?
Insensível.
Eu, particularmente, sinto a maior simpatia pelos gorilas. Muitos anos depois, inclusive, descobri que aquele estudo estava errado. Outra pesquisa descobriu mais de 360 mil gorilas tão-somente na África Ocidental, o que me deixou aliviado. Gorilas são gente boa.
Moscas, não. Eu realmente não sou um admirador das moscas, e não imagino a serventia delas. Sei bem que os bichos não têm de ser úteis para nada, nem nós humanos, óbvio, mas não estou me referindo a produtividade ou algo que o valha, estou perguntando o que, afinal de contas, uma mosca faz de bom para o planeta. O quê? Nada, essa é a resposta.
Portanto, sou a favor da extinção das moscas. Você ficará escandalizado com a essa proposta de genocídio. Bobagem. Muitas espécies foram extintas na trajetória incerta da Terra, como o dinossauro, o tilacino, o xeronitério e o meia ponta-de-lança, e, tudo bem, os sobreviventes seguem em frente impávidos e até orgulhosos.
Verdade que precisamos ter cuidado com essas ideias. No final dos anos 50, Mao Tsé-tung lançou a Campanha Contra as Quatro Pragas da China. A intenção era acabar com todas as moscas, mosquitos, ratos e pardais, esses porque, segundo Mao, eram “pássaros públicos do capitalismo” e devoravam parte da produção de grãos do país. Os chineses, obedientes que são, obedeceram. Matavam pardais a pedradas, destruíam ninhos e, quando viam um, batiam panelas e gritavam para não deixar que pousasse e matá-lo de exaustão. Deu certo. Os pardais sumiram da China. O problema é que pardais comem insetos, que, sem eles, se proliferaram feito... bem, pragas. Os gafanhotos, entre outros insetos famintos, atacaram as plantações e as dizimaram. Quando Mao viu o estrago e reabilitou os pardais, era tarde. Estima-se que mais de 40 milhões de chineses morreram de fome.
Já as moscas não são tão legais quanto os pardais, por isso mantenho minha guerra contra elas.
Mas não era disso que queria falar quando abordei a população de gorilas, queria falar do número de mamíferos que existem no mundo. Pegue os mais belos e majestosos: há apenas três mil tigres tristes entre nós e pouco mais de 20 mil leões. É pouco! E os simpáticos ursos panda, então, são uns dois mil.
O que esses dados significam? Que os bichos morrem muito, e nós nem tanto. Já somos quase oito bilhões debaixo do sol, provavelmente a segunda maior quantidade de mamíferos do planeta, porque os primeiros devem ser os malditos ratos. Mas pense em como as coisas eram há 50 mil anos. Quantos de nós havia zanzando pela savana? Os cientistas calculam que, nos albores da civilização, 10 mil anos atrás, éramos não mais do que um milhão de indivíduos. Quantos imponentes, ferozes e quase imbatíveis leões e tigres existiam então? E quantos queridos pandas? Bem mais do que agora, decerto.
Os bichos morrem mais do que nós, e não só por nossa causa, mas porque eles não podem tomar os mesmos cuidados que tomamos. São os cuidados da civilização: melhores condições de higiene, leis que dão segurança e protegem os mais fracos, alimentação saudável e, sobretudo, a medicina.
Vou tomar três descobertas da medicina do século 19 que mudaram o mundo: os antibióticos, a anestesia e a vacina. O que seria de nós sem essas invenções do gênio humano? Estou incensando a vacina, você já percebeu. Estou dizendo que quem é contra a vacina quer nos transformar em ursos panda, ameaçados de extinção, ou em xeronitérios, que já se extinguiram em silêncio, sem reclamar. Mas tergiversei, que tergiverso. Tenho de aprofundar. Seguirei em frente. Aguarde.