A razão do nosso inegável sucesso como espécie e da nossa invencível angústia como indivíduos é a mesma: a noção do futuro. Falo de nós, Homos Sapiens, que há 10 mil anos manipulamos a natureza de acordo com nossas necessidades, e crescemos e reproduzimos sem cessar. Nós somos o único animal do planeta que se preocupa com o futuro.
Alguém poderá argumentar que não sei o que vai pela alma de um lulu da Pomerânia, e é verdade. Não sei. Mas sei que tanto um insignificante lulu da Pomerânia de latido agudo quanto um nobre leão de rosnado grave não fazem planejamento estratégico como os consultores de marketing paulistas. Eles, os bichos, se ocupam apenas das tarefas imediatas do dia, as que vão lhes fornecer conforto ou subsistência. Eles não se inquietam com o que pode acontecer no mês que vem. Eles nem sabem que existe o mês que vem.
Isso é ótimo para os lulus e os leões, porque proporciona grande economia em psicanálise e poupa tempo despendido em cultos religiosos ou para montar sistemas filosóficos. Em contrapartida, eles também não fazem nada que lhes prolongue a existência, tipo a dieta de 22 dias da Beyoncé.
Assim, lulus, leões e outros bichos morrem quando têm de morrer, a não ser que haja intervenção humana. Se um feroz tigre contrai câncer numa selva da Índia, ele morrerá com a evolução natural da doença, porque em geral tigres não se submetem à quimioterapia.
Nós, o que nos diferencia é que cuidamos uns dos outros. Não só das crias, não só do perigo iminente – nós cuidamos para que os outros, às vezes até desconhecidos, vivam bem no FUTURO. A civilização se afirmou não quando começamos a colaborar para caçar mamutes, mas quando resgatamos um guerreiro que quebrou a perna na caçada, imobilizamos o osso ferido amarrando-lhe a uma tala e deixamos o homem resguardado na caverna, tomando canja de pássaro dodô até que ficasse bom.
Temos nossos méritos, portanto. Nossa espécie não é constituída somente de comentadores de redes sociais e digitais influencers.
Agora imagine se não fosse assim. Imagine se não houvesse medicina, leis, condições de higiene ou kombucha. São muitos perigos que nos rondam e nós sucumbiríamos a eles. Bastaria citar alguns para escrever uma poesia concretista ou para o Arnaldo Antunes compor uma música:
“Acromegalia, aerocolia, aerofagia, afonia!
Alopecia e amenorreia.
Clamídia e crupe.
Disfasia, dispepsia, diverticulite e balanopostite.
Beribéri e blefarite.
Sigmatismo e Sialite,
Tatalgia, talassemia, tetralogia, tricotilomania.
Silicose e sinalgia.
Xantoma, xantose, xerasia, xeroderma.
Lumbago!
Melasmo!
Vasoplegia!”
Todas essas coisas horríveis podem nos acometer, e muitas outras mais, como dor nos quartos ou tripa revirada. Nesse momento, inclusive, os seus órgãos estão envelhecendo, meu amigo. Não é só a sua pele que enruga, seus cabelos que encanecem e suas gordurinhas que se acumulam na cintura. Não. Também a sua vesícula se desgasta e seu peritônio talvez não seja o mesmo dos tempos de juventude.
Então, o que precisamos é continuar cuidando uns dos outros. Precisamos entender que o que faz bem para a coletividade, faz bem para o indivíduo. Como o que quero dizer que tomar vacina não é um ato pessoal, quando se trata de uma doença altamente contagiosa, como a covid19. Não é algo que afete apenas a você. É algo que toca a toda a sociedade. Você não tem direito a tomar a vacina; tem obrigação. Em nome de todos. Em nome da espécie.