Eu sou um homem cansado. E mais: um homem que volta cansado das férias. Porque se trata de um cansaço ancestral, antigo, longínquo, um cansaço de cerne e seiva. O mundo me cansou. Essa discussão toda, sobre todas as coisas, essa irresolvível animosidade. É isso...
Não foi sempre assim. As pessoas não sentiam tamanho apreço por suas próprias opiniões, antes das redes sociais. No máximo havia uma militância de mesa de bar, as opiniões evaporavam com o álcool do chope, se esfumavam na madrugada. Mas, no novo mundo, as opiniões passaram a ser registradas. Você imortaliza o que pensa numa rede social. E, depois dessa publicação, ainda que para grupo restrito, você não é mais dono da opinião, ela é que é sua dona. Você terá de defendê-la contra os que a atacam, como a leoa defende o filhote. Então, não interessa mais o que é certo, interessa é vencer a discussão.
Essa necessidade de vitória no debate tornou as pessoas maldosas – elas querem destruir os que identificam como oponentes. Tornou-as, também, desonestas, vale tudo pelo campeonato de quem tem razão.
É o que me cansa, essa desonestidade.
Porque acredito na busca da honestidade pura. É uma baliza que me guia. E duvido, duvido mesmo, que um analista honesto possa dizer que sou comunista ou liberal ou seja o que for, baseado no que falo ou escrevo. Até porque tenho a convicção, fundamentada na experiência da História, de que, dependendo das circunstâncias, às vezes é preciso fortalecer o Mercado e, noutras, o Estado. O que dita o rumo é a contingência, fecha mais hoje, abre mais amanhã. Um país tem de ser flexível. A capacidade de adaptação é a maior qualidade evolutiva, não a força. Não sou, portanto, direitista nem esquerdista. Sou jornalista, e um jornalista que repudia o jornalismo ativista, o jornalismo militante, o jornalismo de salvação do mundo.
Assim, me cansa quando vejo dedos apontados, quando deparo com análises que partem do preconceito da crença do analista, me cansa quando chego à conclusão de que nenhum argumento racional vai fazer diferença.
Juntas, as ignorâncias são poderosas, impermeáveis, praticamente invencíveis.
É esse o mundo pastoso do século 21: o mundo em que a lógica foi trocada pelo sofisma.
É uma espécie de volta à Idade das Trevas. Por que, por exemplo, o terraplanismo cresce, entre tantos outros obscurantismos menos inofensivos? Você vai responder que sempre houve ignorantes, só que não os conhecíamos. Errado. A diferença é que, hoje, as ignorâncias se conectam, ligam-se por um amálgama de argumentos e crenças, e intumescem feito abscessos. Juntas, as ignorâncias são poderosas, impermeáveis, praticamente invencíveis.
Se esse processo funcionasse apenas entre os menos iluminados, como os terraplanistas, tudo bem. Seria só um exotismo. Mas o terrível é que boas cabeças são tomadas por ideologias e bandeiras, e aí a força do grupo produz o mesmo efeito: elas rejeitam a honestidade em nome da causa, a verdade em nome da justiça.
Por isso, tornou-se um aborrecimento fazer qualquer ponderação acerca de certos assuntos. É inútil. É vazio. É, sobretudo, cansativo. Eu sou um homem cansado. Estou precisando de férias.